NOSSAS LETRAS

Luiza Helena, Mulher do Brasil

Pedro Bial, no estilo reconhecido pela elegância e clareza, faz da biografia um relato vivo que respeita a linearidade básica. Leia o artigo de Sonia Machiavelli.

Por Sonia Machiavelli | 03/12/2022 | Tempo de leitura: 7 min
Especial para o GCN

Caórdica: o que significa? Foi o que me perguntei a certa altura da biografia de Luiza Helena Trajano que Pedro Bial escreveu e foi lançada no segundo semestre deste 2022. Antes que me pusesse a pesquisar, pois não sossego enquanto não encontro o sentido que me escapa, a própria biografada explicou. Então aprendi com a Luiza Helena do Magazine Luiza, do mundo dos negócios, dos francanos que a viram crescer, expandir-se, ganhar o Estado, o país e a Forbes, que caórdica é adjetivo que define um estilo de administração.

Mistura de caos e ordem, em termos acadêmicos significa convivência harmoniosa que inclui características dos dois conceitos, sem que haja dominância de um sobre o outro. A natureza, por exemplo, é em grande parte organizada desta maneira. O termo foi cunhado por Dee Hock, fundador e ex-CEO da Visa que o aplicou aos princípios usados como diretrizes em empreendimentos: nem centralizadas, nem anárquicas. Luiza Helena revela que seu jeito é levemente diferenciado em relação ao padrão: primeiro ela promove o caos com suas ideias, insights, intuições, aprendizagens, sabedorias; depois busca ordenar o que semeou e não poderá crescer de forma indisciplinada. 

Nem um pouco contemplativa, como se confessa, a biografada revela no temperamento enérgico e na atitude resolutiva dois dos catalisadores da trajetória de mulher de ação que foi se transformando graças à inteligência incomum, capacidade de trabalho, constante curiosidade e visão progressista. Desde cedo ciosa da importância de sua independência financeira, inconformada com qualquer marasmo, otimista com os destinos do varejo no Brasil, Luiza Helena teve sua gênese de empresária bem-sucedida numa modesta loja de presentes que a tia Luiza Trajano havia comprado com muito esforço nos anos 50: “A Cristaleira”. O nome foi logo mudado para “Magazine Luiza”, em intuitiva estratégia de marketing até então desconhecida na paulista Franca, grudadinha em Minas.

Pedro Bial, no estilo reconhecido pela elegância e clareza, faz da biografia um relato vivo que respeita a linearidade básica, permitindo ao leitor avançar sem se perder, mas intercala de maneira habilidosa retornos ao passado recente ou remoto, o que lança luz sobre passagens surpreendentes. Mulheres valentes, destemidas, assertivas, as duas Luizas tiveram desde muito jovens um propósito inarredável a nortear suas existências seminais e profícuas: o trabalho. O tino para os negócios, para o lucro, mas também a vontade de envolver pessoas e comunidade, foram a maior herança que a tia legou à sobrinha.

Ler os 36 capítulos é presentear-se com história única, como a de todo humano, mas ao mesmo tempo capaz de despertar o que existe de mais comum em todas as vidas. Como o humor recortado pelo biógrafo com tintas vivazes. Não há como conter o riso diante do relato de uma Luiza dentro da primeira loja, no coração da cidade, checando tudo, do trabalho da faxineira ao comportamento do vendedor. Ou trazendo de sua fazenda, para serem vendidos na calçada do prédio, ovos caipiras ou lindas penas de pavão. Toda pessoa nasce com um dom, embora muitas cheguem ao final da vida sem descobri-lo. Luiza, que está com 95 anos, veio ao mundo com talento extraordinário para vender, e sua alegria de viver teve nisso a sua âncora.

Mas se o autor registra essas pequenas situações que conferem não só leveza à leitura, como ajudam a perfilar uma pessoa como Luiza, também traz à baila momentos dramáticos da vida de Luiza Helena, a sucessora que precisou tomar decisões de vulto, dramáticas mesmo, desses cujos desdobramentos poderiam afetar não apenas a sobrevivência do Magazine Luiza como a vida de milhares de funcionários das lojas já então existentes em todo o país. Foi usando a intuição, a fenomenal capacidade de trabalho, a condição de lidar com suas equipes de forma firme mas humana, verdadeira, otimista, e com o tal estilo caórdico, que ela conseguiu vencer todos os desafios e obstáculos que lhe foram colocados no caminho ao longo de mais de cinquenta anos. A tia, paixão confessa, pôde ver o ponto de ascensão a que chegou a sobrinha, forjada nas lidas do varejo, quando se procedeu à abertura de capital do Magazine Luiza na bolsa, em 2011. A foto que registra o momento encontra-se na página 252, uma das várias que o livro contém. Mostra Luiza, o marido Pelegrino, Luiza Helena e outros familiares, inclusive o saudoso Wagner Garcia, primo e acionista, e seu filho Fabrício. Atrás, o mais alto de todos, Frederico Trajano, o primogênito de Luiza Helena. A sucessão estava em andamento.

Quatro anos depois desta foto que marcou para a posteridade o grande feito da empresa, e “depois de ter chegado ao mercado de ações valendo 3 bilhões de reais, o Magazine Luiza foi atingido em cheio por uma combinação devastadora de grave crise econômica com crise política terminal (...) O valor de mercado do ML tinha caído quase vinte vezes, para 174 milhões e 200 mil reais (...) Especuladores e operadoras davam como inevitável que a empresa teria de fechar, que ia quebrar.”

Em meio a essas pressões, Luiza Helena conversou com especialistas, inclusive “com um potentado das finanças, sujeito tão poderoso e tão importante para a empresa que tem seu nome mantido em segredo até hoje. Ele propôs de forma enfática que o Magazine Luiza fosse dividido em dois (...) A solução passaria por criar nova empresa, desapegada das lojas físicas”. Ao ouvir a proposta da boca da mãe, Frederico Trajano, já influente diretor, disse não: “Se separar, eu vou sair.” “(O Magazine Luiza) é um corpo só.” Diante dos consistentes argumentos de Frederico, Luiza Helena resolveu não dividir a empresa. Enfrentou um tsunami, mas o tempo revelaria quão acertada tinha sido a decisão. 

O que aqui escrevo a partir do livro é uma parte ínfima do que o leitor vai encontrar nas 320 páginas da biografia que tem na capa a foto de Luiza Helena, assinada por Miro. No título, o nome destaca-se em rosa-choque, cor que traz à memória o feminismo discreto mas decidido, como uma das causas sociais nas quais ela tem se engajado ultimamente, o das mulheres vítimas de violência. Acrescente-se a isso o protagonismo na criação do grupo Mulheres do Brasil, de tamanha aceitação, visibilidade e respeito que levou à cogitação de seu nome para a política. Foi sondada para ser candidata à presidência do Brasil. E teria sido vice, se quisesse.

Para contar a vida de Luiza Helena Trajano, Pedro Bial esteve em Franca com uma equipe e ouviu dezenas de pessoas, entre empresários, funcionários, parceiros, amigos, parentes, colegas, conhecidos, políticos, autoridades, francanos que conhecem ou já ouviram falar da história das Trajano, dos Trajanos, da empresa que se insere, há mais de setenta anos, na vida da cidade. Se falar de Franca fora de seus limites já significou associá-la a diamantes, café, sapatos, hoje tornou-se comum lindá-la ao Magazine Luiza e sua “nave-mãe”, como se referem a ela gerentes das lojas locais. 

Mesmo quem não gosta de ler livros, rende-se a uma biografia. Talvez porque o gênero trate de humanos de carne e osso, sangue e suor, alegrias e tristezas, feijões e sonhos, agonias e êxtases. Não contempla a ficção, o inventado, a criação, apenas apresenta ao leitor gente que acumulou experiências, pois é preciso “Viver para contar”, como titulou um de seus livros o escritor Gabriel Garcia Marquez. No caso de “Luiza Helena Mulher do Brasil”, ler o livro significa ser apresentado às razões do sucesso de uma empresária, ou de duas empresárias. A maioria tende, em geral, a olhar apenas para o resultado que se aplaude e não para o longo e custoso processo que antecede o êxito. Tal processo de construção contínua de uma empresária que sucede à outra e se preocupa com sua própria sucessão, e de uma empresa que se agiganta apesar de sobressaltos e circunstâncias adversas, é ao fim e ao cabo o tema do livro que narra em primeiro plano a vida de quem diz na última página: “Eu nunca deixei de fazer nada que quisesse”. O desejo também explica o sucesso, claro.

O livro pode ser adquirido na Livraria Saraiva, no Franca Shopping.

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