FLOR DA VIDA

Associação de cannabis medicinal de Franca luta para manter as portas abertas

Criada em 2019, a Flor da Vida disponibiliza o medicamento à base de cannabis a mais de 1.800 pacientes em todo o Brasil – muitos a custo R$ 0. Para manter o funcionamento, no entanto, a associação enfrenta processos judiciais e de regularização.

Por Heloísa Taveira | 06/10/2021 | Tempo de leitura: 4 min
da Redação

Reprodução/Bruno Morabati

Fundador da associação, Enor Machado:
Fundador da associação, Enor Machado:

A iniciativa de um francano inconformado fez com que milhares de vidas fossem salvas ou ao menos tivessem mais qualidade e dignidade. Enor Machado desenvolveu pela primeira vez anos atrás um óleo à base de cannabis para ajudar de alguma forma o sobrinho autista e, quando percebeu que deu certo, lutou para que o maior número de famílias possível pudesse ter acesso ao medicamento. Assim nasceu a associação Flor da Vida – que na manhã desta quarta-feira, 6, recebeu a diligência da Vigilância Sanitária e Dise (Delegacia de Investigação sobre Entorpecentes) e agora luta para manter seu funcionamento.

Criada em 2019, a associação tem hoje 1.806 pacientes ativos em todo o Brasil, sendo que ao menos 200 deles são de Franca. O papel principal da Flor da Vida é disponibilizar a um custo acessível ou até mesmo gratuitamente o medicamento para a população que necessita, principalmente, crianças e idosos.

No entanto, a associação ainda não conseguiu autorização para o manuseio da planta cannabis até o desenvolvimento do óleo, justamente porque o cultivo dela é proibido no país. Mesmo os pacientes que precisam, por prescrição médica, na maioria das vezes têm que desembolsar cerca de R$ 2,5 mil por seringa, o que é totalmente inviável.

Desde o início, a Flor da Vida e seus idealizadores vêm tentando regularizar a associação para poder continuar oferecendo o medicamento aos pacientes. O projeto deu tão certo que, em média, 60% da produção dos óleos fornecidos vem de contribuições voluntárias de associados pelo país. “Os contribuintes acabam ‘pagando’ por aqueles que não podem contribuir, já que se o associado tem uma renda baixa, ele recebe o medicamento do mesmo jeito, gratuitamente e todo mês”, disse Enor.

Mesmo com estrutura, profissionais qualificados, equipe multidisciplinar e contribuições voluntárias, a associação ainda vive o drama dos processos judiciais que se arrastam há anos para tentar regularizar a fabricação e distribuição do medicamento. Nesta manhã, a Vigilância Sanitária interditou o laboratório de produção da Flor da Vida até que questões burocráticas e de segurança sejam resolvidas.

“Basicamente foram feitos alguns apontamentos na estrutura do laboratório e outras partes burocráticas que já estávamos fazendo e que por conta da pandemia está demorando. A gente acaba saindo dessa mais fortalecidos e aptos a cumprir todas essas normas que foram impostas para a gente continuar a trazer acesso, saúde e vida para essas pessoas que tanto precisam”, falou Enor.

A interdição dos laboratórios impacta diretamente na vida de milhares de famílias espalhadas pelo Brasil e que dependem dos serviços da associação.  “A Flor da Vida existe por causa de uma lacuna que o poder público deveria estar cumprindo. Isso é um trabalho humanitário, que não só a gente, mas outras associações de cannabis terapêuticas do Brasil fazem. Como vou falar para uma mãe que o filho dela, que já está com as crises controladas por conta do óleo, vai ficar sem medicamento esse mês?”.

O drama familiar

Mirelle Toledo é mãe de Heitor, de oito anos, diagnosticado com autismo em grau severo. A criança usa o óleo de cannabis desde os três anos – teve inúmeras convulsões na primeira infância e as crises se controlaram desde o início do medicamento. Heitor é um dos milhares de pacientes que depende da produção da Flor da Vida.

“O Heitor nunca tomou psicotrópicos. Tirei a fralde dele com o início do uso da cannabis e a parte cognitiva dele melhorou 90%. Ele também não tinha contato visual e hoje isso mudou totalmente. Antes do óleo ele nem dormia, passava mais de 48 horas acordado”, falou a mãe.

Hoje, Mirelle consegue ter acesso ao medicamento graças à associação, mas nem sempre foi assim. “Já usei o importado, mas meu filho precisa de uma quantidade maior para controlar as crises. Uma seringa do importado dá para uma semana e, lembro que na época custava R$ 1,5 mil. Com o óleo da Flor eu consigo usar por 30 dias”.

Heitor Toledo, de oito anos, nunca mais teve crises depois que iniciou o tratamento com o óleo.

A secretária afirmou que até poderia entrar com um processo judicial para conseguir o custeio do remédio por parte do governo, mas por vezes o envio atrasa. “As mães que eu conheço que conseguiram via judicial têm condição de bancar o tratamento do filho até o governo enviar. Eu não tenho essa possibilidade. Então se o governo atrasa um mês do tratamento eu tenho que interromper esse tratamento, não tenho como bancar o remédio”, falou Mirelle.

Além disso, os pacientes e famílias associadas à Flor da Vida têm acesso ao núcleo da associação, que consiste em uma clínica em Franca que faz atendimento gratuito aos associados, com uma equipe multidisciplinar de médicos, nutricionista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo e todos os serviços necessários, tudo financiado através do superávit das doações dos colaboradores.

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