MEDICINA ALTERNATIVA

Maconha medicinal na vida de famílias francanas: 'foi uma quebra de paradigma'

Desde 2014 é permitida a importação de remédios derivados da cannabis. Já a pesquisa, produção e venda de remédios à base da planta no Brasil foram autorizadas em 2019 pela Anvisa. As medidas causam impacto direto na vida de francanos que dependem da medicação para melhorar a saúde de familiares.

Por Victor Linjardi | 08/04/2021 | Tempo de leitura: 6 min
da Redação

Victor Linjardi/GCN

Frasco onde o óleo de cannabis produzido pela Flor da Vida é armazenado
Frasco onde o óleo de cannabis produzido pela Flor da Vida é armazenado

Do preconceito à solução. Da droga ao remédio. A planta que causa discussões e polêmicas há anos, vem mostrando que pode ser a origem de um medicamento capaz de salvar vidas. Em Franca não é diferente. A maconha tem como princípio ativo o canabidiol (CBD), que se mostrou eficaz como no tratamento de convulções, por exemplo. Os remédios produzidos não possuem o THC, outro componente da maconha, mas que é o responsável  por provocar efeitos entorpecentes.

Em 2006, o plantio de cannabis para uso medicinal e científico já era previsto na Lei de Drogas. Mas só em 2014 que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou a importação de remédios à base de canabidiol, ou CBD – um dos princípios ativos da planta. O maior avanço quanto ao acesso da maconha medicinal no Brasil veio no final de 2019, quando a Anvisa regulamentou a pesquisa, produção e venda de remédios – apesar do plantio ainda ser proibido. Com isso, hoje é possível encontrar os medicamentos oriundos da cannabis em farmácias do país.

Essas medidas facilitaram o acesso a estes remédios e, consequentemente, beneficiaram crianças e adultos com doenças neurológicas. Estes que tiveram um recomeço em suas vidas após o início do tratamento.

É o caso da francana Ana Paula dos Santos, 50, que é professora de educação inclusiva. Seu filho Artur Santos leite, 15, tem Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). De acordo com a mãe, o menino toma medicamentos desde os 3 anos de idade, pois tem sintomas fortes causados pelo TEA.

Artur nunca pronunciou uma palavra, por isso é considerado “não-verbal”. Com acompanhamento psiquiátrico diversos remédios foram experimentados, mas nenhum com resultados positivos. Sua médica estudava sobre tratamentos com canabidiol e aconselhou Paula a arriscar. Já eram 9 anos de tentativas em vão com outras drogas. “Os remédios não faziam mais efeitos, os sintomas só estavam piorando”, lembrou a mãe.

Foi assim que iniciou o que Ana chamou de “quebra de paradigma”. Logo na primeira dosagem Artur apresentou melhoras nítidas. Sua compreensão mudou e o estresse também. “Com o CBD ele conseguiu entender melhor e, apesar de não falar, as compreensões mudaram muito. O remédio anterior o deixaram obeso e com a cannabis até emagreceu”.


Artur no primeiro mês de tratamento e o mesmo hoje

A mãe também relembrou as crises nervosas do filho e como o novo tratamento foi um alento em sua vida e na vida do menino. “Nunca mais teve crises nervosas. Hoje ele não é nada agressivo, não se bate mais. Antes 3 pessoas não conseguiam segurá-lo nestas situações”.

Por ser não-verbal, Artur faz sessões de fonoaudiologia desde criança. Animada com a primeira impressão sobre o canabidiol, Ana Paula não contou à medica sobre o novo tratamento para ver se era notada diferença no comportamento do filho durante a sessão. “A própria ‘fono’ me procurou para saber o que estava dando a ele, pois estava muito diferente. Muito melhor”.

“Eu tinha muito preconceito com maconha antes. Achava que não era algo certo, era preconceito mesmo. Mas quando sentimos na pele a evolução, foi uma quebra de paradigma. O que vem da natureza é sempre bem-vindo, muitas vezes o homem que não faz o uso certo”, concluiu a mãe de Artur ao falar da sua relação no passado com a maconha.

Recentemente o portal GCN trouxe a história de Isabella Fernandes Cândido, de 7 anos, que sofre com a epilepsia desde 1 ano e 3 meses de vida. Sua mãe, Fabíola Patrocínio Fernandes, 25 – atualmente desempregada -, está fazendo “vaquinha” para conseguir comprar o medicamento que ameniza as consequências da doença na filha. O canabidiol. A reportagem a procurou novamente para saber mais detalhes do tratamento.


Isabella Fernandes de 7 anos, trata da epilepsia com CBD

“Sempre procurei por tratamentos e medicações para a epilepsia pois a Isabella sofria muito com convulsões. Nestas pesquisas sempre vi ótimos estudos sobre o canabidiol, com relatos de melhoras dos pacientes”.

Há 10 meses, Isabella teve a crise mais grave desde que nasceu e precisou ficar internada por cinco dias, além de ter episódios de convulsão constantemente.  Foi assim que em janeiro de 2020, a médica da menina recomendou um tratamento com o CBD e Fabíola acatou. A francana optou por comprar o óleo pronto, produzido no Brasil. Este que é vendido nas farmácias facilitou o acesso à mãe preocupada, mas o alto valor para uma dose que rende aproximadamente 1 mês e meio, fez com que ela realizasse a “vaquinha”. “Compro o brasileiro pois assim não preciso de autorização da Anvisa para importar. Basta ir em farmácias, mas custa R$ 2 mil”, comentou.

Como Isabella parou com as convulsões e apresenta mais estabilidade, a mãe está feliz com o resultado e aliviada com a melhora da filha. “É uma medicação milagrosa. Perfeita”.

O alcance do uso terapêutico da cannabis ganhou grande proporção. Em Franca, motivado pelo sobrinho que sofria muito com o TAE, Enor Machado de Morais, 30, aconselhou o uso do óleo da maconha para uma possível melhora. Dito e feito. O jovem Eduardo teve sua vida mudada desde então.

Estudioso e ativista do uso da planta para fins medicinais, Enor se engajou a ponto de hoje presidir a Associação Terapêutica de Cannabis Medicinal em Franca. A Flor da Vida. Fundada em 2019, ela que hoje atende mais de mil famílias em todo o país, conseguiu aval na justiça para poder fazer extração do óleo da planta. De acordo com Morais, a Flor da Vida atende hoje todos os requisitos da justiça e da Avisa para que possa funcionar. Resta agora, apenas o habeas corpus para liberação do plantio.

Das mais mil famílias beneficiadas pelo trabalho da Associação, 50% dos remédios fornecidos são distribuídos de maneira gratuita, afim de que famílias menos favorecidas possam ter acesso e cura para seus problemas.

Quem também faz parte da Flor da Vida é Mirelle Patrícia Carvalho Toledo, 40, que hoje tornou-se terapeuta canabica. Seu filho, Heitor Antonio Carvalho Toledo, de 7 anos é tratado com o óleo produzido na Associação. Ele sofre com problemas decorrentes do TEA e, logo aos 3 anos de idade, iniciou o tratamento com o óleo à base de maconha. “Comecei a tratar o Heitor com cannabis quando conheci o Enor e ele me contou sua história. Meu filho nunca fez uso de outro medicamento”, contou a mãe.

Mirelle relata ainda que já fazia pesquisas com tratamentos naturais e que não havia preconceito com a maconha. Quando optou pelo uso do remédio, se atentou em aprofundar os estudos. “Tive medo por ele ser muito novo ainda. Mesmo sendo natural, não deixa de ser um medicamento. O que me deixou tranquila foram algumas pesquisas que mostraram a baixa toxicidade do óleo”.


Heitor curtindo a areia pela primeira vez

A mãe conclui que atualmente Heitor vive em sua melhor fase. “Ele está em uma fase maravilhosa. No último final de semana ele brincou na areia. Antes tinha pavor da textura, mas desta vez, amou”, contou entusiasmada.

Por fim, Patrícia se mostrou grata pelos resultados do tratamento e demonstrou o apoio à cannabis medicinal. “Sou ativista a muito tempo. Graças a Deus tive a oportunidade de tratar meu filho só com ela”.

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