Renovação

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A previsível volta da Terra em torno do Sol dura trezentos e sessenta e cinco dias e produz quatro distintas estações. Sucedem-se Primavera, Verão

A previsível volta da Terra em torno do Sol dura trezentos e sessenta e cinco dias e produz quatro distintas estações. Sucedem-se Primavera, Verão

12/11/2010 | Tempo de leitura: 5 min

12/11/2010 - Tempo de leitura: 5 min

A previsível volta da Terra em torno do Sol dura trezentos e sessenta e cinco dias e produz quatro distintas estações. Sucedem-se Primavera, Verão, Outono e Inverno, incansável e constantemente.

Numa, aparecem as flores. Noutra, a gestação, o calor para transformar as flores em frutos cuja finalidade é saciar a fome de outros seres. Na última parte o grande útero adormece, descansa e, mesmo inerte, guarda em si a possibilidade de germinação para um futuro que certamente virá. Transforma-se em mera explicação o milagre da vida, quando traduzido em termos científicos, como uma lição de escola. Secos, sem deslumbramento, prosaicos mesmo.

Contar com essa previsibilidade matemática, embora tenha seu lado prático, faz-nos insensíveis à poesia contida nesses fenômenos naturais. Risco constante de tomar nota baixa nas aulas de Geografia e Ciência, prefiramos a explicação mítica de tais fenômenos... Deméter – a filha de Perséfone – arrancada dos braços maternos por Hades, o rei das Trevas, foi levada por ele às profundezas do Inferno. Deixou a deusa mãe em tal estado de tristeza que Perséfone, mesmo incumbida da provisão de gêneros alimentícios para deuses e mortais (era a responsável direta pela Natureza), descuida-se de tudo e a humanidade começa a passar fome. As trevas, o frio e o gelo tomam conta do cenário traduzindo materialmente a nova triste e sombria personalidade da deusa.

Veio do Olimpo a negociação para que tudo voltasse ao normal, dividindo igualmente o tempo que Deméter ficaria no orco com seu marido e aquele no qual voltaria para os braços maternos. Durante a separação, as lágrimas maternas produziriam escuridão, frio, desolação: esse tempo foi chamado de Outono e Inverno. Ao se reaproximar o momento do encontro, o verde iria gradualmente se instalando, as flores voltariam a nascer. O coração de Perséfone começaria a se recompor, batendo alegremente materializando regozijo e felicidade. O calor atingiria seu ponto máximo enquanto elas estivessem juntas, desaparecendo gradualmente à medida em que se aproximasse a data da nova separação. Estavam instalados e justificados a Primavera e o Verão... Pode carecer de precisão científica, mas a história sobeja em poesia. E ela, justamente, anda faltando num mercado repleto de produtos descartáveis que saciam apenas nossa fome material.

Uma manhã abrimos nossas janelas e encontramos sol brilhante como a iluminar um caminho desconhecido. Uma brisa estranhamente fria se contrapõe àquela luminosidade. É o Inverno, com certeza, que se anuncia. Nas manhãs seguintes, ainda que o sol se manifeste, o vento fica mais e mais gelado. Agasalhamo-nos, voltamos para nosso interior, encolhemo-nos. Introspectivos, cuidamos de nossas sementes abastecendo-as de vitaminas e nutritivos para sua preservação. É hora de criar. Fortes e ansiosas pela vida, tais sementes aquecidas pelo Sol que vai recuperando lentamente seu calor, germinam-se. Vão-se abrindo para a vida, explodem em cores, enfeitam caminhos pouco antes sombrios, jardins pelados, rostos quase sem contorno . É a Primavera. É a época da semente da criação, da explosão, da alegria, da criação. Vida, luz, calor intenso, procriação, acasalamento, reprodução, perpetuação das espécies. Sexo, pouca roupa, sedução, excitação, cio na terra e nos corpos. É Verão. Continuando o ciclo, o sol esquenta mais e mais, as folhas amarelecem, começam a cair. Flores, transformadas dentro desta estranha estufa, se tornam frutos. Amadurecem. São colhidos. Aproveitados. Transformados. Alimentam. Outono...

Numa certa manhã, previsível e maravilhosamente percebemos lá fora, ao abrimos as janelas, um novo caminho desconhecido, iluminado por uma familiar luminosidade... É o recomeço de um ciclo. Quanto tempo se passou? Um ano? Um mês? Um dia? Apenas um período? Impossível dizer. É um recomeço. Apenas, maravilhosa e divinamente isso. É momento de começar de novo. Tudo de novo. Aí você abre a porta, encontra um sorriso aberto, dentes perfeitos. Abre seus braços, você se encaixa nele, se aninha nele. É a Primavera. É sua filha vestida de Primavera. E então seu ano tem início.

ANIVERSÁRIO
Há mais de trinta anos, todos os anos, quando chega o dia 12 de novembro onde quer que eu esteja, dou um jeito de falar com ele. Ele é uma das pessoas mais importantes da minha vida. Num passado, tudo levava a crer que eu estava grávida: ciclo menstrual suspenso, seios intumescidos e doloridos, barriga inchada. Eu era jovem. De repente uma perda de sangue ameaçava e sugeria a interrupção da gravidez. Fui procurá-lo acatando a orientação de pessoa amiga. Bendita hora! Prudente, cauteloso, delicado e sensato, não quis interferir – como havia sido sugerido – com uma atuação mais drástica e cirúrgica na continuidade da gestação. Deu um tempo, deve ter rezado um bocado e, trinta anos depois, ei-lo testemunhando o casamento daquela que não era nem para ter nascido... Hoje, dia 12 de novembro, é aniversário do Dr. José Bernardes de Pádua. Por mim devia ser feriado nacional. Aqui em casa é feriado nacional. Nunca, por mais que me empenhe, demonstrarei suficientemente o quanto sou grata a ele. Um beijo de toda a família pra ele, para a família. E que receba em dobro toda a alegria que nos deu. Um beijo, Pádua! Imagino quantas pessoas fazem coro conosco neste Parabéns pra você...

VIVALDI
As Quatro Estações de Vivaldi serão a trilha sonora da minha despedida. Tétrico? Que nada! Sou apaixonada pela melodia, principalmente pela da Primavera, que o povo associou à Vinólia... Numa dessas tardes ensolaradas vá até à varanda, bote o som no último, sente-se de frente ao canteiro de rosas e acompanhe com os pés a cadência. Pode chorar à vontade. A beleza permite. Bom final de semana!

Lúcia Helena Maniglia Brigagão
Jornalista, publicitária e membro da Academia Francana de Letras - luciahelena@comerciodafranca.com.br

A previsível volta da Terra em torno do Sol dura trezentos e sessenta e cinco dias e produz quatro distintas estações. Sucedem-se Primavera, Verão, Outono e Inverno, incansável e constantemente.

Numa, aparecem as flores. Noutra, a gestação, o calor para transformar as flores em frutos cuja finalidade é saciar a fome de outros seres. Na última parte o grande útero adormece, descansa e, mesmo inerte, guarda em si a possibilidade de germinação para um futuro que certamente virá. Transforma-se em mera explicação o milagre da vida, quando traduzido em termos científicos, como uma lição de escola. Secos, sem deslumbramento, prosaicos mesmo.

Contar com essa previsibilidade matemática, embora tenha seu lado prático, faz-nos insensíveis à poesia contida nesses fenômenos naturais. Risco constante de tomar nota baixa nas aulas de Geografia e Ciência, prefiramos a explicação mítica de tais fenômenos... Deméter – a filha de Perséfone – arrancada dos braços maternos por Hades, o rei das Trevas, foi levada por ele às profundezas do Inferno. Deixou a deusa mãe em tal estado de tristeza que Perséfone, mesmo incumbida da provisão de gêneros alimentícios para deuses e mortais (era a responsável direta pela Natureza), descuida-se de tudo e a humanidade começa a passar fome. As trevas, o frio e o gelo tomam conta do cenário traduzindo materialmente a nova triste e sombria personalidade da deusa.

Veio do Olimpo a negociação para que tudo voltasse ao normal, dividindo igualmente o tempo que Deméter ficaria no orco com seu marido e aquele no qual voltaria para os braços maternos. Durante a separação, as lágrimas maternas produziriam escuridão, frio, desolação: esse tempo foi chamado de Outono e Inverno. Ao se reaproximar o momento do encontro, o verde iria gradualmente se instalando, as flores voltariam a nascer. O coração de Perséfone começaria a se recompor, batendo alegremente materializando regozijo e felicidade. O calor atingiria seu ponto máximo enquanto elas estivessem juntas, desaparecendo gradualmente à medida em que se aproximasse a data da nova separação. Estavam instalados e justificados a Primavera e o Verão... Pode carecer de precisão científica, mas a história sobeja em poesia. E ela, justamente, anda faltando num mercado repleto de produtos descartáveis que saciam apenas nossa fome material.

Uma manhã abrimos nossas janelas e encontramos sol brilhante como a iluminar um caminho desconhecido. Uma brisa estranhamente fria se contrapõe àquela luminosidade. É o Inverno, com certeza, que se anuncia. Nas manhãs seguintes, ainda que o sol se manifeste, o vento fica mais e mais gelado. Agasalhamo-nos, voltamos para nosso interior, encolhemo-nos. Introspectivos, cuidamos de nossas sementes abastecendo-as de vitaminas e nutritivos para sua preservação. É hora de criar. Fortes e ansiosas pela vida, tais sementes aquecidas pelo Sol que vai recuperando lentamente seu calor, germinam-se. Vão-se abrindo para a vida, explodem em cores, enfeitam caminhos pouco antes sombrios, jardins pelados, rostos quase sem contorno . É a Primavera. É a época da semente da criação, da explosão, da alegria, da criação. Vida, luz, calor intenso, procriação, acasalamento, reprodução, perpetuação das espécies. Sexo, pouca roupa, sedução, excitação, cio na terra e nos corpos. É Verão. Continuando o ciclo, o sol esquenta mais e mais, as folhas amarelecem, começam a cair. Flores, transformadas dentro desta estranha estufa, se tornam frutos. Amadurecem. São colhidos. Aproveitados. Transformados. Alimentam. Outono...

Numa certa manhã, previsível e maravilhosamente percebemos lá fora, ao abrimos as janelas, um novo caminho desconhecido, iluminado por uma familiar luminosidade... É o recomeço de um ciclo. Quanto tempo se passou? Um ano? Um mês? Um dia? Apenas um período? Impossível dizer. É um recomeço. Apenas, maravilhosa e divinamente isso. É momento de começar de novo. Tudo de novo. Aí você abre a porta, encontra um sorriso aberto, dentes perfeitos. Abre seus braços, você se encaixa nele, se aninha nele. É a Primavera. É sua filha vestida de Primavera. E então seu ano tem início.

ANIVERSÁRIO
Há mais de trinta anos, todos os anos, quando chega o dia 12 de novembro onde quer que eu esteja, dou um jeito de falar com ele. Ele é uma das pessoas mais importantes da minha vida. Num passado, tudo levava a crer que eu estava grávida: ciclo menstrual suspenso, seios intumescidos e doloridos, barriga inchada. Eu era jovem. De repente uma perda de sangue ameaçava e sugeria a interrupção da gravidez. Fui procurá-lo acatando a orientação de pessoa amiga. Bendita hora! Prudente, cauteloso, delicado e sensato, não quis interferir – como havia sido sugerido – com uma atuação mais drástica e cirúrgica na continuidade da gestação. Deu um tempo, deve ter rezado um bocado e, trinta anos depois, ei-lo testemunhando o casamento daquela que não era nem para ter nascido... Hoje, dia 12 de novembro, é aniversário do Dr. José Bernardes de Pádua. Por mim devia ser feriado nacional. Aqui em casa é feriado nacional. Nunca, por mais que me empenhe, demonstrarei suficientemente o quanto sou grata a ele. Um beijo de toda a família pra ele, para a família. E que receba em dobro toda a alegria que nos deu. Um beijo, Pádua! Imagino quantas pessoas fazem coro conosco neste Parabéns pra você...

VIVALDI
As Quatro Estações de Vivaldi serão a trilha sonora da minha despedida. Tétrico? Que nada! Sou apaixonada pela melodia, principalmente pela da Primavera, que o povo associou à Vinólia... Numa dessas tardes ensolaradas vá até à varanda, bote o som no último, sente-se de frente ao canteiro de rosas e acompanhe com os pés a cadência. Pode chorar à vontade. A beleza permite. Bom final de semana!

Lúcia Helena Maniglia Brigagão
Jornalista, publicitária e membro da Academia Francana de Letras - luciahelena@comerciodafranca.com.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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