06 de dezembro de 2025
POLÍTICA

Flávio Paradella: Um cartão amarelo à vista de todos

Por Flávio Paradella | Especial para a Sampi Campinas
| Tempo de leitura: 6 min
Divulgação/CMC
Câmara absolve Vini Oliveira, mas julgamento serviu de enquadramento político.

O que era esperado se confirmou. A Câmara Municipal de Campinas aprovou, por ampla maioria, o parecer da Comissão Processante que recomendou o arquivamento da denúncia contra o vereador Vini Oliveira (Cidadania). O placar de 22 votos a favor do relatório do vereador Nelson Hossri (PSD), contra apenas seis votos da oposição, selou o desfecho formal de um dos processos mais barulhentos da atual legislatura. Mas se, no papel, o caso está encerrado, nos bastidores, o que se viu foi um julgamento político travestido de absolvição.

Desde o início, esta coluna apontava que o processo soava mais como um “presta atenção” coletivo do plenário do que uma real disposição para cassar o segundo vereador mais votado da cidade. A abertura da CP, motivada pela denúncia de uma médica do Hospital Mário Gatti, mais parecia uma tentativa de disciplinar do que punir. E a sessão desta terça-feira (1º) só confirmou a tese: uma série de discursos cuidadosamente alinhados entre os vereadores da base, com uma mensagem comum — enquadrar Vini.

A fala que melhor sintetizou o clima foi a do ex-deputado federal Roberto Alves (Republicanos). Referindo-se a Vini como um “menino”, Roberto não escondeu o tom de sermão público. “Desde quando eu cheguei aqui, eu tenho orientado esse menino e ele sabe disso. Eu falo menino porque ele tem idade até para ser meu filho. Hoje você está tendo a maior oportunidade que seus amigos aqui vão votar em seu favor. Mas não conte que isso vai ficar em branco. Você já recebeu um cartão amarelo aqui e para ter o vermelho não vai demorar muito”, disparou. Não foi um alerta. Foi um aviso. E em voz alta.

O jovem vereador, como era de se esperar, respondeu com altivez. Manteve sua narrativa de que apenas cumpria o dever de fiscalizar, alegou motivação popular e reafirmou que não se arrepende de ter denunciado problemas no hospital municipal. Reforçou o tom que o elegeu, mas agora cercado por um ambiente político mais rígido.

O episódio deixa algumas marcas importantes. A primeira é que Vini sobreviveu, mas sob observação. O plenário o manteve no cargo, mas deixou claro que não tolerará novos atos considerados midiáticos, intempestivos ou que causem embaraços à base. A segunda é que a Câmara deu um recado duro sem precisar cassar. A absolvição, paradoxalmente, foi usada como instrumento de correção política.

E há um terceiro elemento. A sessão desta terça aconteceu exatamente um dia após a renúncia de Zé Carlos (PSB), que confessou ter pedido propina quando presidia a Casa. A comparação, inevitável, pairava no ar. Se Zé Carlos caiu por um ato de corrupção confessada, como justificar a cassação de Vini por uma fiscalização — ainda que agressiva? Mesmo quem considerava exagerada a postura do jovem vereador reconheceu que o momento não era politicamente adequado para puni-lo.

Agora, a dúvida recai sobre os próximos passos de Vini. Ele vai recuar, como parte da oposição já aponta, ou manterá sua linha de atuação combativa e de choque com a velha política? Vai tentar dialogar ou continuar apostando no embate? O mandato foi preservado. Mas o espaço de manobra, claramente, foi limitado.

Em política, nem sempre quem é absolvido sai ileso. E nem sempre quem vota a favor está de acordo. A votação foi pela manutenção do mandato, mas o julgamento foi simbólico — e coletivo. Vini segue vereador, mas com um cartão amarelo bem visível no peito. Resta saber se ele usará isso como lição ou como munição.

O lado esquerdo

Os seis votos pela cassação vieram dos vereadores de esquerda, que seguiram a linha do voto divergente da presidente da CP, Mariana Conti (PSOL). Para ela, houve sim quebra de decoro ao expor servidores públicos em vídeos e publicar conteúdos com imputações falsas de crime. É um argumento válido. A crítica está em como essa posição foi transformada em uma narrativa de “nós contra eles”, apontando que a absolvição seria resultado de uma aliança com a base e o Quarto Andar — o gabinete do prefeito Dário Saadi.

Pode até haver verdade nessa leitura, mas há também omissão seletiva. Quando a vereadora Paolla Miguel (PT) enfrentou um processo de cassação por causa do episódio da "Festa da Bicuda", foi justamente essa mesma base quem a salvou, evitando que a denúncia prosperasse. A régua muda conforme o lado — e isso fragiliza o discurso. Não é preciso falsear a memória para apontar incoerências do outro.

Um fim, um começo e uma herança pesada

A posse de Ailton da Farmácia nesta quarta-feira (2) não foi apenas um rito administrativo. Foi o desfecho simbólico de uma das histórias mais constrangedoras da histórica recente do legislativo e o marco de um novo ciclo para a Câmara Municipal de Campinas. Se a derrocada de Zé Carlos já estava em andamento desde 2023, quando as primeiras denúncias sobre o esquema de propina vieram à tona, o vazamento do acordo de confissão com o Ministério Público tornou a queda irreversível — e rápida.

O caso levou tempo para amadurecer, mas bastaram poucos dias entre a revelação da confissão e a renúncia. Um dos parlamentares mais longevos da atual composição — seis mandatos, ex-presidente da Casa — entregou o cargo no limite, minutos antes de a Comissão Processante começar a funcionar oficialmente. Foi um ato tardio, mas inevitável. O desgaste era absoluto e a cassação seria certa.

No lugar dele, assume Ailton da Farmácia. Com 4.374 votos em 2024, o agora vereador retorna à Casa com um discurso centrado nas demandas da saúde pública, no transporte escolar e na defesa das mulheres trabalhadoras. Não há ruptura ideológica ou partidária — ele também representa o PSB —, mas o momento político é totalmente distinto. Ailton assume uma cadeira que carrega agora uma mancha moral e uma responsabilidade ética ampliada.

A solenidade de posse foi discreta, mas repleta de simbolismo. A presença de colegas, amigos e familiares serviu para marcar o recomeço. A Câmara, que ficou por tanto tempo acuada e silente diante das denúncias contra Zé Carlos, tenta virar a página. O presidente Luiz Rossini (Republicanos) foi protocolar: destacou a experiência de Ailton e desejou bom trabalho. Entre sorrisos pela chegada do novo parlamentar e constrangimento pelo real motivo da troca.

A verdade é que, por mais que o novo vereador busque focar nas pautas do cotidiano, o clima ainda é de ressaca. A Câmara perdeu um nome histórico, não por decisão das urnas, mas por confissão de crime. E essa renúncia carrega lições. Mostra que o silêncio institucional, mesmo quando estratégico, tem prazo de validade. Mostra também que, diante de fatos cristalinos, o parlamento precisa agir — ou será atropelado pelos fatos.