O que era esperado se confirmou. A Câmara Municipal de Campinas aprovou, por ampla maioria, o parecer da Comissão Processante que recomendou o arquivamento da denúncia contra o vereador Vini Oliveira (Cidadania). O placar de 22 votos a favor do relatório do vereador Nelson Hossri (PSD), contra apenas seis votos da oposição, selou o desfecho formal de um dos processos mais barulhentos da atual legislatura. Mas se, no papel, o caso está encerrado, nos bastidores, o que se viu foi um julgamento político travestido de absolvição.
Desde o início, esta coluna apontava que o processo soava mais como um “presta atenção” coletivo do plenário do que uma real disposição para cassar o segundo vereador mais votado da cidade. A abertura da CP, motivada pela denúncia de uma médica do Hospital Mário Gatti, mais parecia uma tentativa de disciplinar do que punir. E a sessão desta terça-feira (1º) só confirmou a tese: uma série de discursos cuidadosamente alinhados entre os vereadores da base, com uma mensagem comum — enquadrar Vini.
A fala que melhor sintetizou o clima foi a do ex-deputado federal Roberto Alves (Republicanos). Referindo-se a Vini como um “menino”, Roberto não escondeu o tom de sermão público. “Desde quando eu cheguei aqui, eu tenho orientado esse menino e ele sabe disso. Eu falo menino porque ele tem idade até para ser meu filho. Hoje você está tendo a maior oportunidade que seus amigos aqui vão votar em seu favor. Mas não conte que isso vai ficar em branco. Você já recebeu um cartão amarelo aqui e para ter o vermelho não vai demorar muito”, disparou. Não foi um alerta. Foi um aviso. E em voz alta.
O jovem vereador, como era de se esperar, respondeu com altivez. Manteve sua narrativa de que apenas cumpria o dever de fiscalizar, alegou motivação popular e reafirmou que não se arrepende de ter denunciado problemas no hospital municipal. Reforçou o tom que o elegeu, mas agora cercado por um ambiente político mais rígido.
O episódio deixa algumas marcas importantes. A primeira é que Vini sobreviveu, mas sob observação. O plenário o manteve no cargo, mas deixou claro que não tolerará novos atos considerados midiáticos, intempestivos ou que causem embaraços à base. A segunda é que a Câmara deu um recado duro sem precisar cassar. A absolvição, paradoxalmente, foi usada como instrumento de correção política.
E há um terceiro elemento. A sessão desta terça aconteceu exatamente um dia após a renúncia de Zé Carlos (PSB), que confessou ter pedido propina quando presidia a Casa. A comparação, inevitável, pairava no ar. Se Zé Carlos caiu por um ato de corrupção confessada, como justificar a cassação de Vini por uma fiscalização — ainda que agressiva? Mesmo quem considerava exagerada a postura do jovem vereador reconheceu que o momento não era politicamente adequado para puni-lo.
Agora, a dúvida recai sobre os próximos passos de Vini. Ele vai recuar, como parte da oposição já aponta, ou manterá sua linha de atuação combativa e de choque com a velha política? Vai tentar dialogar ou continuar apostando no embate? O mandato foi preservado. Mas o espaço de manobra, claramente, foi limitado.
Em política, nem sempre quem é absolvido sai ileso. E nem sempre quem vota a favor está de acordo. A votação foi pela manutenção do mandato, mas o julgamento foi simbólico — e coletivo. Vini segue vereador, mas com um cartão amarelo bem visível no peito. Resta saber se ele usará isso como lição ou como munição.
Os seis votos pela cassação vieram dos vereadores de esquerda, que seguiram a linha do voto divergente da presidente da CP, Mariana Conti (PSOL). Para ela, houve sim quebra de decoro ao expor servidores públicos em vídeos e publicar conteúdos com imputações falsas de crime. É um argumento válido. A crítica está em como essa posição foi transformada em uma narrativa de “nós contra eles”, apontando que a absolvição seria resultado de uma aliança com a base e o Quarto Andar — o gabinete do prefeito Dário Saadi.
Pode até haver verdade nessa leitura, mas há também omissão seletiva. Quando a vereadora Paolla Miguel (PT) enfrentou um processo de cassação por causa do episódio da "Festa da Bicuda", foi justamente essa mesma base quem a salvou, evitando que a denúncia prosperasse. A régua muda conforme o lado — e isso fragiliza o discurso. Não é preciso falsear a memória para apontar incoerências do outro.
Um fim, um começo e uma herança pesada
A posse de Ailton da Farmácia nesta quarta-feira (2) não foi apenas um rito administrativo. Foi o desfecho simbólico de uma das histórias mais constrangedoras da histórica recente do legislativo e o marco de um novo ciclo para a Câmara Municipal de Campinas. Se a derrocada de Zé Carlos já estava em andamento desde 2023, quando as primeiras denúncias sobre o esquema de propina vieram à tona, o vazamento do acordo de confissão com o Ministério Público tornou a queda irreversível — e rápida.
O caso levou tempo para amadurecer, mas bastaram poucos dias entre a revelação da confissão e a renúncia. Um dos parlamentares mais longevos da atual composição — seis mandatos, ex-presidente da Casa — entregou o cargo no limite, minutos antes de a Comissão Processante começar a funcionar oficialmente. Foi um ato tardio, mas inevitável. O desgaste era absoluto e a cassação seria certa.
No lugar dele, assume Ailton da Farmácia. Com 4.374 votos em 2024, o agora vereador retorna à Casa com um discurso centrado nas demandas da saúde pública, no transporte escolar e na defesa das mulheres trabalhadoras. Não há ruptura ideológica ou partidária — ele também representa o PSB —, mas o momento político é totalmente distinto. Ailton assume uma cadeira que carrega agora uma mancha moral e uma responsabilidade ética ampliada.
A solenidade de posse foi discreta, mas repleta de simbolismo. A presença de colegas, amigos e familiares serviu para marcar o recomeço. A Câmara, que ficou por tanto tempo acuada e silente diante das denúncias contra Zé Carlos, tenta virar a página. O presidente Luiz Rossini (Republicanos) foi protocolar: destacou a experiência de Ailton e desejou bom trabalho. Entre sorrisos pela chegada do novo parlamentar e constrangimento pelo real motivo da troca.
A verdade é que, por mais que o novo vereador busque focar nas pautas do cotidiano, o clima ainda é de ressaca. A Câmara perdeu um nome histórico, não por decisão das urnas, mas por confissão de crime. E essa renúncia carrega lições. Mostra que o silêncio institucional, mesmo quando estratégico, tem prazo de validade. Mostra também que, diante de fatos cristalinos, o parlamento precisa agir — ou será atropelado pelos fatos.