06 de dezembro de 2025
POLÍTICA

Flávio Paradella: Renúncia e um fim melancólico

Por Flávio Paradella | Especial para a Sampi Campinas
| Tempo de leitura: 5 min
Reprodução/Facebook
Pressionado por acordo com o MP, Zé Carlos (PSB) saiu antes da cassação certa.

O teatro do óbvio se concretizou. Na noite desta segunda-feira (30), o vereador Zé Carlos (PSB) renunciou ao mandato momentos antes da Câmara Municipal de Campinas analisar a abertura de uma Comissão Processante contra ele. A renúncia não surpreende. Era o último recurso possível — e o mais digno dentro do possível — para escapar de uma cassação que era não só inevitável, mas também necessária.

A pressão que vinha se acumulando desde o vazamento do acordo com o Ministério Público explodiu de vez. Não havia mais margem para defesa política. Zé Carlos confessou: pediu propina para manter contratos terceirizados na Casa que ele presidia. Um fato grave, irrefutável e, pior, protagonizado por quem ocupava o segundo cargo mais importante do município.

A confissão revelou uma prática silenciosa que apenas se tornou pública porque o empresário envolvido não aceitou o jogo e procurou o Ministério Público. O esquema, como mostraram os áudios, envolvia medo de gravações e sugestões para deixar relógios e celurares em um banheiro. Tudo digno de uma série de corrupção — só que real, em pleno exercício do mandato e na sala da presidência do legislativo.

A renúncia serviu como fuga. Evitou o constrangimento de um julgamento público em plenário, onde a cassação seria aprovada, acredito eu, sem muito esforço. Zé Carlos preferiu sair pela porta lateral, entregar um ofício e se despedir com uma carta vaga e simbólica, dizendo que acredita na “justiça divina” e que essa será apenas uma pausa.

Não é. É o fim de um ciclo — e um fim melancólico.

Zé Carlos foi um dos mais experientes parlamentares da cidade, seis mandatos, presidência da Câmara, histórico de embates, protagonismo nas decisões legislativas. Mas caiu pelo que mais destrói a política: a confissão de um ato de corrupção cometido no exercício da função.

O agora ex-vereador pode até voltar para a Casa de Leis. Quem decide é o eleitor, mas o personagem público está maculado e acho impossível retomar o prestígio com os pares e a influência de outrora.

A Câmara, por sua vez, se vê diante de um espelho incômodo. Quando a chance de agir surgiu, ainda em 2023, optou por uma CPI que apontou “fatos graves”, mas se calou ao ignorar a abertura de uma Comissão Processante. O silêncio da época — seja por conveniência, conivência ou covardia — permitiu que o caso se arrastasse até agora. Só quando o MP fez sua parte é que o Legislativo se viu encurralado.

O que a Câmara aprendeu com isso? Difícil saber. O histórico da Casa mostra que a proteção entre pares costuma ser mais forte que o compromisso com a ética e a transparência. Mas talvez agora, diante de uma confissão explícita e uma renúncia constrangida, algo mude. Ao menos deveria.

No lugar de Zé Carlos assume Ailton da Farmácia, também do PSB. Uma troca que muda o nome, mas não altera o desafio. O impasse é institucional: recuperar a credibilidade de uma Câmara que viu, mais uma vez, sua história ser manchada por quem deveria defendê-la.

A renúncia de Zé Carlos não é um gesto de grandeza. É um ato tardio, forçado, fruto da vergonha pública e da falta de saída. E se serve para algo, que sirva como alerta: ou o Legislativo se impõe contra seus próprios desvios, ou seguirá refém do descrédito que ele mesmo cultiva.

Um filme que Campinas já viu

A história se repete — em tons diferentes, mas com roteiro muito parecido. A renúncia de Zé Carlos ao mandato para escapar da cassação na Câmara de Campinas não é um fato inédito. Em 1999, João Dirani Júnior (PRP) usou a mesma estratégia, abrindo mão do cargo para evitar a perda dos direitos políticos.

Na ocasião, o então vereador do PRP também renunciou ao mandato para evitar o trâmite de uma Comissão Processante. Acusado de usar o cargo para oferecer serviços de revisão de IPTU e de utilizar carro oficial para fins particulares — além de ser acusado de agredir seu motorista —, Dirani evitou o desgaste final ao entregar uma carta de renúncia, já que era alvo de uma sindicância e a cassação parecia ser inevitável.

A memória política da cidade é curta, mas a renúncia de Dirani mostra que os atalhos já são conhecidos. O que muda é a roupagem. Na época, Dirani ficou conhecido por projetos pitorescos — como o que pedia ao governo federal que doasse parte do território brasileiro às vítimas do terremoto de Kobe, no Japão. Hoje, Zé Carlos se despede sob o peso de um esquema de corrupção gravado, documentado e assumido.

Secretaria sem secretária

Foi publicada nesta terça-feira (1º) no Diário Oficial de Campinas a criação formal da Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres. Com estrutura definida, cargos comissionados detalhados, atribuições claras e até vinculação oficial ao Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, a nova pasta nasce robusta no papel — mas sem uma peça-chave para funcionar: a titular da secretaria ainda não foi escolhida.

O nome da futura secretária virou ponto de impasse político entre o Quarto Andar e o Partido Liberal (PL), legenda que tem buscado consolidar seu espaço no primeiro escalão da gestão Dário Saadi. O acordo político que embasou a criação da pasta ainda não se converteu em consenso interno, pela falta de definição do partido para escolher um nome com densidade técnica ou simbólica suficiente para um tema tão delicado.

A ausência de uma nomeação imediata revela que a prioridade é mais política do que institucional.

De acordo com o Diário Oficial, a nova pasta contará com 33 cargos comissionados e funções gratificadas, entre eles 1 secretário titular, 1 secretário adjunto, 5 assessores superiores, 3 diretores, 10 coordenadores e 13 chefes de setor. Parte dessa estrutura foi remanejada da Assistência Social. A promessa é de um trabalho transversal que englobe saúde, combate à violência, empreendedorismo, inclusão produtiva e fortalecimento institucional das mulheres.

Mas sem comando, a política pública, de fato, não começa. Além disso, coloca a nova secretaria sob o risco de nascer como moeda de troca partidária, e não como resposta institucional à urgência das demandas femininas em Campinas.