A declaração do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, afirmando que “não há direitos absolutos, nem mesmo a imunidade parlamentar”, traz consigo um risco inquietante para o equilíbrio de poderes em nossa democracia. Ao insistir na tese de que manifestações parlamentares podem ser enquadradas como crimes comuns, a Polícia Federal sinaliza uma potencial ameaça à independência do Legislativo e ao princípio fundamental da liberdade de expressão.
É essencial lembrar que a imunidade parlamentar é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, garantida no artigo 53 da Constituição Federal. Ela não é um privilégio, mas uma salvaguarda necessária para que parlamentares possam exercer suas funções sem o temor de represálias judiciais ou políticas. Limitar esse direito ou interpretá-lo de forma a enfraquecer sua essência é um passo perigoso para a erosão da autonomia do Legislativo.
A Polícia Federal, ao buscar indiciar deputados por declarações feitas no exercício do mandato, como nos casos de Marcel Van Hattem (Novo) e Cabo Gilberto Silva (PL), adentra um terreno escorregadio. Embora a liberdade de expressão encontre limites em situações que envolvem calúnia ou incitação ao crime, a interpretação dessa fronteira não pode ser feita de maneira subjetiva ou em desacordo com as prerrogativas constitucionais. A crítica e o debate – mesmo que incisivos ou polêmicos – são a alma do Parlamento. Cercear essa liberdade é colocar em risco a pluralidade de ideias, essencial para uma sociedade democrática.
Quando autoridades policiais argumentam que “nenhum direito é absoluto” para justificar o cerceamento da imunidade parlamentar, há um preocupante deslocamento do poder de interpretação constitucional para agentes do Executivo. Essa inversão de papéis subverte o equilíbrio entre os poderes, conferindo à Polícia Federal uma influência que extrapola suas funções. É prerrogativa do Supremo Tribunal Federal, e não de agentes policiais, decidir onde termina a imunidade e onde começam os abusos.
Além disso, o presidente da Câmara, Arthur Lira, levantou um ponto crucial ao afirmar que o Parlamento “não pode ser alvo de ingerências externas que coíbam o exercício livre do mandato”. Lira não está apenas defendendo dois parlamentares, mas um princípio essencial: a independência do Legislativo frente a pressões externas, sejam elas políticas ou institucionais. Qualquer tentativa de limitar essa independência representa um atentado ao equilíbrio de poderes e, em última instância, à própria democracia.
É preocupante que, em tempos de polarização e radicalização política, se multipliquem iniciativas que fragilizam os direitos fundamentais. A relativização da imunidade parlamentar abre um precedente perigoso: hoje, são deputados da oposição; amanhã, podem ser representantes do governo. Quem garante que a Polícia Federal, ou qualquer outra instituição, não agirá seletivamente contra parlamentares que confrontem interesses do Executivo?
O risco maior não é o indiciamento de um ou dois deputados, mas a criação de uma cultura onde o Legislativo se veja intimidado em suas funções. Deputados e senadores, ao temerem represálias por suas palavras, podem optar pelo silêncio, enfraquecendo o debate público e deixando a sociedade órfã de vozes que expressem suas angústias e demandas.
Portanto, é imprescindível que o Supremo Tribunal Federal e as lideranças políticas reforcem a defesa intransigente da imunidade parlamentar. A liberdade de expressão dos representantes do povo não é um favor concedido pelo Estado, mas um direito inalienável que protege a democracia de abusos e autoritarismos. Qualquer tentativa de enfraquecê-lo, mesmo que sob o pretexto de combater crimes, deve ser vista com extrema cautela.
A democracia brasileira é jovem e resiliente, mas sua sobrevivência depende de instituições fortes e respeitosas de suas próprias limitações. Que fiquemos atentos, pois não é apenas o direito de um parlamentar que está em jogo – é a liberdade de toda uma nação de debater, criticar e se expressar sem medo.
*Fabrício Correia é jornalista