Há três anos, em dezembro de 2022, a prefeita Suéllen Rosim (PSD) encaminhou à Câmara Municipal um ofício propondo que o novo complexo esportivo que está sendo construído no Residencial Vargem Limpa Vida Nova Bauru recebesse o nome de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Prevista inicialmente para ser entregue no fim de 2024, a obra atingiu 48% de execução e agora tem conclusão estimada pela Secretaria de Infraestrutura para dezembro de 2026.
Se for concretizada, será a primeira homenagem da cidade ao maior ídolo do futebol brasileiro, que morreu aos 82 anos, em 29 de dezembro de 2022. Embora Edson Arantes do Nascimento tenha nascido em Três Corações (MG), foi em Bauru que Pelé, o Rei do Futebol, construiu os alicerces de sua trajetória no esporte. Na Cidade Sem Limites, ele não apenas recebeu o apelido que o consagraria mundialmente, como também desenvolveu as habilidades que o transformaram em craque.
Foi nos campos de terra, nas ruas de paralelepípedo e nas quadras de futsal do Radium FC, além das categorias de base do Bauru Atlético Clube (BAC), no juvenil Baquinho, que Pelé deu seus primeiros dribles e marcou os primeiros gols. Ainda jovem, chegou a participar de amistosos com o elenco profissional do Noroeste, no estádio Alfredo de Castilho, o Alfredão.
Apesar da forte ligação com Bauru, o destino reservou ao atleta o protagonismo nacional e internacional com a camisa do Santos, onde consolidou uma das maiores carreiras da história do futebol mundial.
OMISSÃO
O jornalista e escritor bauruense César Savi é um dos principais defensores de uma homenagem à altura de Pelé por parte do poder público. Ele também é crítico da ausência de reconhecimento oficial ao Rei do Futebol na cidade, tanto em vida quanto após sua morte, quando, enfim, a legislação permite esse tipo de homenagem.
Para Savi, o ideal seria a instalação de uma estátua de Pelé em um local de destaque de Bauru, como forma de reconhecer a importância histórica do atleta para a cidade. Ainda assim, ele considera que a eventual atribuição do nome do Rei ao ginásio poliesportivo em construção já representaria um primeiro passo nesse processo de valorização.
Para César Savi, a cidade ainda tem uma dívida histórica com o maior atleta de todos os tempos. "Não queria morrer antes de ver uma homenagem de verdade ao Pelé", afirma aos 88 anos. A cobrança não é recente. O jornalista relata que chegou a elaborar um projeto de estátua, buscou orçamentos com escultores e procurou apoio tanto do poder público quanto de empresas privadas da cidade. Também tentou mobilizar pessoas influentes e publicou ao menos sete cartas na Tribuna JC sobre o tema.
"Até agora, o que vejo é uma cidade com mais de 400 mil habitantes sendo omissa diante do básico: uma homenagem digna ao Pelé", critica. A defesa por uma memória permanente de Pelé em Bauru também encontra eco entre nomes históricos do jornalismo esportivo local. Os decanos Leonardo de Brito, Jota Martins, Jota Augusto e Erlinton Goulart se declaram admiradores do Rei do Futebol e reforçam que a trajetória do atleta precisa ser eternizada na cidade onde ele deu seus primeiros passos no esporte.
CIDADÃO BAURUENSE
Pelé chegou a receber uma homenagem em vida na cidade, proposta na década de 1970 por vereadores da época e pelo então prefeito Luís Edmundo Carrijo Coube, mas, devido à agenda de jogos do Santos e da Seleção Brasileira, levou anos para retornar e receber o título de Cidadão Bauruense.
Com a obra do ginásio atrasada desde 2024, caberá aos vereadores da Câmara Municipal de Bauru elaborar e aprovar decreto legislativo para oficializar o nome de Pelé no complexo esportivo, já que, de acordo com a Lei Orgânica, é prerrogativa da Casa de Leis dar nome a próprios municipais. Não há tramitação por enquanto.
BELA OLINDA
O novo ginásio de esportes na região da Quinta da Bela Olinda está sendo construído com investimento de R$ 15,5 milhões, sendo R$ 14,3 milhões do governo federal e o restante como contrapartida da Prefeitura de Bauru. O espaço terá cerca de quatro mil metros quadrados de área e será utilizado para a formação de base e profissional, em uma região que ainda conta com poucas áreas esportivas. O Ginásio Rei Pelé pode, inclusive, ser utilizado pelo Bauru Basket, diante das pendências de aluguéis com o Noroeste relacionadas ao Ginásio Comendador Cláudio Amantini (Panela de Pressão).
A ideia disseminada entre bauruenses, especialmente nas décadas de 1960 e 1970, de que Pelé não gostava de Bauru é contestada por quem conviveu de perto com o Rei do Futebol. A percepção teria surgido, principalmente, por conta dos confrontos entre Santos e Noroeste, quando Pelé costumava responder às vaias no Alfredão com gols decisivos.
A versão, no entanto, é refutada pelo jornalista e escritor César Savi, pelo ex-goleiro Francisco Cefaly Neto, o Chiquinho, de 79 anos, e pelo amigo de infância César Tayar, o Canhoto, de 80. Em entrevistas concedidas recentemente ao JC, os três, que conheceram Pelé pessoalmente, afirmam que o craque tinha, sim, carinho pela cidade.
Segundo eles, o distanciamento percebido por parte da população não era desafeição, mas resultado de uma combinação de fatores. Pelé teve uma infância marcada pela pobreza, enfrentou preconceito racial e, já famoso, passou a ser constantemente abordado quando retornava a Bauru, muitas vezes por pessoas em busca de favores.
"Pelé e o pai, Dondinho, eram muito queridos pela vizinhança nas imediações das ruas Sete de Setembro e Rubens Arruda, onde moraram em Bauru. Uma dessas famílias era a nossa", recorda Canhoto. "Três gerações conviveram com Pelé e ajudaram a família do Rei, que no início dos anos 1950 vivia em condições muito difíceis."
Chiquinho, ex-goleiro do Noroeste que entrou para a história ao defender um pênalti cobrado por Pelé na Vila Belmiro, em 1965, também já registrou no JC que a ideia de que o Rei não gostava da cidade "é uma grande bobagem".
"Pelé tinha compromissos no Brasil inteiro e até no exterior. Sempre vinha a Bauru quando tinha tempo. É claro que algumas pessoas se sentiam desprestigiadas quando ele não procurava todo mundo, mas era impossível confraternizar com todos em pouco tempo. Ele movia multidões", afirma o ex-jogador, que também foi vizinho da família de Pelé no Centro da cidade.