05 de dezembro de 2025
COLUNISTA

Soli deo gloria: a soberania restaurada

Por Hugo Evandro Silveira |
| Tempo de leitura: 3 min
Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril

Imagine um cosmos onde o sol é arrancado de sua órbita e substituído por uma vela vacilante. Eis a catástrofe ontológica desencadeada no final do século 18. Sob a sedução do Iluminismo e a explosão da Revolução Francesa, a humanidade orquestrou um golpe de estado contra o Céu. Embriagado de arrogância, o homem tentou usurpar o trono do Criador para instituir o "culto à razão". Não se tratou de mera transição política, mas de um verdadeiro deicídio cultural onde a criatura buscou destronar o Criador.

João Calvino nos recorda que o universo foi concebido como o Theatrum Gloriae Dei (Teatro da Glória de Deus). Entretanto, a Europa, outrora berço da Reforma Protestante, iniciou uma asfixia sistemática da fé transcendente. Deus foi marginalizado como uma relíquia obsoleta enquanto o homem se autoproclamava a medida suprema de todas as coisas e o centro gravitacional da existência.

O abismo se aprofundou com Friedrich Nietzsche e seu mergulho no niilismo, diagnosticando a vacuidade de uma existência sem absolutos. Como R.C. Sproul alertava, "ideias têm consequências", e o resultado dessa troca nefasta — a glória divina pela vaidade humana — não foi a liberdade, mas o desespero e a anarquia moral. Onde o Legislador Supremo é silenciado, o absurdo impera.

Diante dessa terra arrasada, a Providência Divina interveio na história. Recusando dobrar os joelhos a ídolos seculares, milhares cruzaram o oceano rumo à América do Norte buscando não apenas território, mas a liberdade para exercer o Soli Deo Gloria. Eles abandonaram uma Europa que, embora enriquecida pelo ethos (caráter) protestante — força motriz de nações como Holanda e Inglaterra —, apodrecia sob o peso do ceticismo racionalista.

Desde então, as academias foram inundadas por um liberalismo corrosivo que ridiculariza a fé, fenômeno que D.A. Carson descreve como a intolerância da "tolerância" moderna. Conforme ressalta Tassos Lycurgo, atualmente existe uma ofensiva brutal de três forças globais para a descristianização do Ocidente: o Islamismo, o Comunismo e o Rentismo Globalista esse último articulado por instituições supranacionais que operam intensamente visando à supressão do legado judaico-cristão. Contudo, o cristianismo permanece inabalável. Como rocha que fragmenta as ondas do mar revolto, as Escrituras confrontam e convertem. J.I. Packer ensinou que a Bíblia não é mero aconselhamento, mas a voz autoritativa e inerrante do Deus vivo que jamais falha em seus propósitos.

A resposta cristã ao humanismo exige ocupação soberana e não isolamento monástico. O estadista Abraham Kuyper trovejou a verdade inescapável: "Na extensão da vida humana não há um centímetro quadrado acerca do qual Cristo não declare: 'Isto é meu!'". Deus não é uma divindade das lacunas nem se ausentou da criação. Ele é o Senhor ativo da história, da física, da economia e das artes. Em Isaías 48.11, Ele sentencia: "A minha glória, não a darei a outrem". Isso fundamenta nossa segurança: se Deus não governa soberanamente cada átomo, não há esperança alguma para o amanhã.

O cristianismo constitui, portanto, uma cosmovisão abrangente em um embate de vida ou morte. Enquanto o humanismo prega a autonomia radical, o Evangelho prova que a vida só ganha sentido no Eterno e Criador. O cristianismo transcende os ritos dominicais para englobar a totalidade da experiência humana.

Devemos rejeitar a falsa dicotomia entre o sagrado e o secular. Você não precisa ser pastor para servir "em tempo integral". Professores, engenheiros e donas de casa transformam suas vocações em altares de adoração ao exercerem o mandato cultural. Cada planilha preenchida com honestidade e cada refeição preparada com amor refletem a Imago Dei e glorificam o Pai. A história não é antropocêntrica; é uma narrativa teocêntrica. Rejeite a mediocridade humanista e abrace a grandeza de viver Coram Deo — diante da face de Deus.

Não subestime a urgência do "kairos" (tempo oportuno) divino em meio à efemeridade da existência (Tg 4.14). Rejeite a estagnação espiritual e abrace sua teleologia suprema: Soli Deo Gloria. O chamado do Criador transcende a revelação geral e culmina na revelação especial do Logos, Jesus Cristo. Ele não é apenas uma opção religiosa, mas a exegese perfeita de Deus (Jo 1.18). Desperte da letargia! Seja intencional, renda-se hoje àquele que sustenta o Cosmos, trocando a mediocridade passageira pela plenitude da vida eterna sob o senhorio absoluto de Cristo.