05 de dezembro de 2025
PETS

Cães no fim da Era do Gelo

da Redação
| Tempo de leitura: 5 min

As mudanças na estrutura do esqueleto que revelam a transformação de certos lobos em cães domésticos começaram há pouco mais de 10 mil anos, no fim da Era do Gelo, indica um novo estudo.

Embora a grande maioria das raças atuais de cachorros seja resultado de cruzamentos intensivos bem mais recentes, da segunda metade do século 19 em diante, o trabalho também mostra que a diversificação de formas da espécie que vemos hoje já tinha começado há milhares de anos, relativamente pouco tempo depois dessa fase inicial da domesticação.

Os dados foram apresentados em artigo no periódico especializado Science, um dos mais importantes do mundo. Trata-se de mais uma peça no quebra-cabeças da domesticação dos cães, quase certamente os mais antigos companheiros não humanos da nossa espécie, cuja origem exata a partir dos lobos ainda é misteriosa, apesar dos muitos estudos sobre o tema.

No trabalho, liderado por Allowen Evin, da Universidade de Montpellier (sul da França), os pesquisadores analisaram um total de 643 crânios caninos, numa faixa temporal que vai de 50 mil anos atrás, bem antes do fim da última glaciação, até o presente.

Evin e seus colegas empregaram a técnica da morfometria geométrica, que permite mapear de forma detalhada diferenças em objetos de formato complexo, como um crânio. Numa comparação com o formato da Terra, é como se cada ponto da estrutura craniana correspondesse à latitude e longitude de um lugar no globo terrestre (a posição nas coordenadas norte/sul e leste/oeste). Se a forma do crânio de uma espécie muda ao longo do tempo, é possível acompanhar de forma quantitativa essas alterações vendo como esses pontos mudaram de posição.

COMPARAÇÃO

A equipe de pesquisadores montou um painel comparativo que tinha, de um lado, crânios de lobos modernos e de cães atuais; de outro, havia os espécimes antigos, do fim do Pleistoceno (a Era do Gelo), com idades até 12,7 mil anos atrás, e os de animais achados em sítios arqueológicos do Holoceno, a fase geológica em que ainda estamos.

O calcanhar de aquiles da amostragem são os animais do Pleistoceno, que são relativamente raros no registro arqueológico e perfazem apenas 17 crânios.

Com base na comparação do formato dos crânios, os pesquisadores desenvolveram um método estatístico para tentar separar cães de lobos com base na morfologia. A base para isso foi, claro, o fato de haver um "modelo" para o crânio lupino com base nos lobos atuais estudados, e o mesmo vale para o crânio dos cães, com base nos indivíduos atuais.

Pelagem e orelhas

Além, é claro, das diferenças no tipo de pelagem e no formato das orelhas - regiões do corpo que quase nunca se preservam por muito tempo no registro fóssil -, os cachorros atuais se caracterizam pela grande variabilidade no formato e no tamanho da cabeça quando comparados a seus primos de primeiro grau, os lobos. Também há a variabilidade no tamanho corporal, com raças caninas muito menores e, em certos casos, até maiores do que lobos, o que também pode ser observado pela morfologia craniana.

Variabilidade hoje é muito maior

A variabilidade dos cães atuais é muito maior do que a que existe entre os lobos modernos e os animais do Pleistoceno, embora alguns exemplares domésticos possam ser vistos como "lobos morfológicos", ou seja, com um tipo de crânio que poderia ser de lobo - é o caso de indivíduos pertencentes a raças como pastor-alemão e mastim-tibetano. No caso dos crânios achados em sítios arqueológicos, a morfologia que se encaixa no grupo dos cães domesticados aparece primeiro há 11 mil anos na localidade russa de Veretye, antes do espalhamento da agricultura na região. Já no continente americano o primeiro registro dessa morfologia tem 8.500 anos e vem de antigos assentamentos indígenas no estado de Illinois (meio-oeste dos Estados Unidos). A data na Rússia, curiosamente, bate com dados de DNA, que apontam para o surgimento das primeiras linhagens de cães domesticados na mesma época.

Variação de ambientes colonizados 

É possível que tanto a variação de ambientes colonizados pelos seres humanos quanto o uso dos cães para diferentes propósitos já estivessem inluenciando essa diversificação. O que ainda não está claro, porém, é se a coincidência dos 11 mil anos atrás, unindo dados genéticos e morfológicos, de fato corresponde ao “ano zero” da origem dos cães domésticos. O processo de domesticação pode ter sido gradual e complexo, fazendo com que a morfologia dos primeiros lobos domesticados não se alterasse tanto no início, ou não dependesse tanto da seleção feita por humanos. Por outro lado, experimentos modernos feitos com raposas indicam que a aparência dos animais pode se alterar em poucas gerações caso os donos selecionem sempre os mais dóceis. Só novas pesquisas e novos fósseis poderão, com alguma sorte, diminuir essas dúvidas.

Aparência era o dobro da dos lobos

A análise indica ainda que a diminuição do tamanho do crânio e o salto na variabilidade de formatos já estariam presentes nos cães domésticos que viveram há cerca de 8 mil anos, muito antes do surgimento de qualquer civilização de grande porte no planeta. Esses cães do início do Holoceno já teriam uma variação de aparência que é o dobro da dos lobos, ainda que ela seja menor do que a que apareceu junto com as raças modernas, do século 19 em diante.

É possível que tanto a variação de ambientes colonizados pelos seres humanos quanto o uso dos cães para diferentes propósitos já estivessem influenciando essa diversificação.

O que ainda não está claro, porém, é se a coincidência dos 11 mil anos atrás, unindo dados genéticos e morfológicos, de fato corresponde ao "ano zero" da origem dos cães domésticos.

O processo de domesticação pode ter sido gradual e complexo, fazendo com que a morfologia dos primeiros lobos domesticados não se alterasse tanto no início, ou não dependesse tanto da seleção feita por humanos.

Por outro lado, experimentos modernos feitos com raposas indicam que a aparência dos animais pode se alterar em poucas gerações caso os donos selecionem sempre os mais dóceis. Só novas pesquisas e novos fósseis poderão, com alguma sorte, diminuir essas dúvidas.