05 de dezembro de 2025
COLUNISTA

Adoração exclusiva - por que a reforma protestante ainda importa?

Por Hugo Evandro Silveira |
| Tempo de leitura: 4 min
Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril

No dia 31 de outubro, celebramos a Reforma Protestante (1517), iniciada por Martinho Lutero. Não foi apenas um abalo institucional, mas um retorno às fontes bíblicas e ao cristianismo "puro e simples". Entre seus frutos, resplandece um princípio decisivo: a adoração exclusiva a Deus - o Soli Deo Gloria. Isso não é detalhe devocional, é a chave que dá sentido à existência humana.

Se partimos da Escritura, como fizeram os reformadores, Deus não é uma hipótese útil, mas a realidade de referência que torna inteligíveis o universo, a moralidade e o próprio pensamento. Negar sua existência exige oferecer explicação superior para a origem, a ordem e o propósito de todas as coisas. A Bíblia sustenta que isso não é possível: "Diz o tolo em seu coração: 'Deus não existe'" (Sl 53.1). "Tolo", aqui, não é insulto; é diagnóstico de quem desfigura a realidade por uma mistura de perversão moral e miopia intelectual. Contudo, entendendo a existência a partir de Deus, "todos os fatos" se alinham: a racionalidade do cosmos, a confiabilidade das leis naturais, a dignidade humana, a existência de valores objetivos e a sede de sentido que nos visita no silêncio da consciência.

Pense em alguém que morando no Brasil negue a existência da nação e por isso reivindique isenção de qualquer responsabilidade para com o Estado. Tal comportamento seria logicamente incoerente; consideraríamos essa pessoa alienada da realidade e incapaz de agir como um cidadão consciente. Quanto mais grave é negar a existência de Deus - de quem dependem a vida, a moral, a razão e o próprio ato de pensar - apenas para escapar do dever de adoração e devoção. Isso não é mero erro intelectual, mas uma falha moral profunda. A Reforma nos convoca a reconhecer essa verdade e a reordenar a vida sob o senhorio de Deus. Negar Deus é cuspir no ar que respiramos, profanar o corpo que habitamos, violentar a dignidade do espírito que mantém o corpo vivo, rejeitar a fonte do sentido, transformar liberdade em capricho e consciência em eco vazio. É usar o dom do pensamento para negar o Doador, chamar o acaso de pai, o nada de destino e a rebeldia de sabedoria.

Segundo o testemunho bíblico e a tradição clássica, Deus é Espírito; infinito em ser, glória, bem-aventurança e perfeição; autossuficiente, eterno, imutável, incompreensível no sentido de inesgotável; onipresente, onipotente e onisciente; sapientíssimo, santíssimo, justíssimo, misericordioso e gracioso, longânimo e verdadeiro. Ele é a fonte e o fim de tudo o que existe.

Ateísmo é negar a crença em qualquer divindade. Politeísmo é crer em muitos deuses; idolatria é elevar qualquer realidade criada - pessoa, imagem, ideia, instituição, emoção ou técnica - ao lugar de Deus. A Escritura denuncia sobretudo a idolatria dos que tentam venerar a obra criada no lugar do Criador; na prática, deslocam a confiança do Deus vivo para seres e obras criadas, violando a ordem do ser, da razão e do fim das coisas. Hoje, os ídolos vestem gravata, jaleco, uniforme esportivo ou capa de espiritualidade: ego, poder, prazer, dinheiro, sucesso, reputação, religiosidade. Há uma diferença essencial entre a honra devida às criaturas (anjos, autoridades, pais, pastores, líderes) e a adoração devida somente a Deus: Honrar reconhece um papel limitado; adorar entrega o coração e a esperança última. Quando essa linha se apaga, a honra escorrega para adoração e divinizamos o finito. A Reforma fincou estacas: adoramos exclusivamente a Deus; e todo o resto, por mais nobre, nunca deve receber o ajoelhar do coração. Porque aquilo que adoramos governa nossos amores, molda nossas escolhas, disciplina nossos hábitos e define, silenciosamente, nosso destino eterno.

A Reforma não inventou verdades novas; recuperou as antigas dos tempos bíblicos e submeteu a tradição, autoridade e experiência à Escritura. Ao fazê-lo, libertou o culto: não a imagens, métodos, performances ou líderes carismáticos, mas a Deus somente. Aquilo que mais amamos acaba nos governando. Por isso, a adoração exclusiva a Deus é o caminho da plena liberdade. Se Deus é quem a Escritura diz que Ele é, Ele é digno da nossa mente, vontade, afetos e agenda. Todo o universo é teatro da glória de Deus; existimos para aplaudi-la com a vida. Renuncie aos ídolos elegantes pós-modernos, recuse os atalhos que anestesiam a consciência e volte-se ao Deus Criador e mantenedor da vida. Nele, a realidade faz sentido, a culpa encontra perdão, a esperança ganha fundamento e a adoração se torna verdade eterna. Soli Deo Gloria.