Uma amiga chegou reclamando de dor na região onde tinha sido anestesiada horas antes em tratamento odontológico. Me lembrei de um trabalho que fiz junto com os alunos da graduação e que me trouxe resultados surpreendentes.
Recolhemos as agulhas utilizadas nas anestesias feitas na clínica e as colocamos em embalagens macias para serem observadas ao microscópio eletrônico de varredura, onde apareceriam em 3D e aumentadas até milhares de vezes.
COMO ESTAVAM?
Abaixo da pele e da mucosa bucal temos os tecidos conjuntivos com suas fibras, nervos e vasos sanguíneos e linfáticos, formando uma trama, uma rede, tal como o espaguete ao sugo servido no prato a ser deliciado. Se colocar o garfo, vai pegar necessariamente uma parte do macarrão e levá-lo até a boca.
No puncionar os tecidos durante a anestesia local, inevitavelmente a agulha vai resvalar e até atravessar ou romper alguma fibra, filete nervoso ou um vaso. Mas são tão pequenas estas estruturas, que isto passa despercebido no período pós-operatório em termos de sintomatologia. O que ajuda quase não lesar, é o bisel muito delicado da agulha.
Ao introduzir a agulha, seguindo-se as técnicas anestésicas locais aprendidas na universidade, temos os pontos de referências para puncionar e parar a introdução da agulha e começar a colocar no local a solução anestésica. Em alguns casos, inadvertidamente, se para de introduzir quando a agulha toca no osso da região.
Quando se toca no osso, mesmo que levemente, o bisel da agulha pode se dobrar para fora ou para dentro da luz da agulha, formando-se um micro-anzol. Isto não vai atrapalhar o efeito anestésico, mas ao se remover a agulha, este micro-anzol, especialmente quando voltado para fora da luz da agulha, pode enroscar ou engastalhar em fibras, filetes neurais e ou vasos sanguíneos, promovendo rupturas parciais ou totais.
Assim se pode ter: 1º) Áreas micro-hemorrágicas, ou nem tão micro assim, 2º) Inflamação do local pelo aparecimento de proteínas livres liberadas pelas fibras rompidas, apresentando com sinais de dor e até edema no local, 3º) Alterações de sensibilidade ou sensações neurais como anestesia, parestesia e outras. 4º) Áreas focais de miosites induzidas quando a agulha atravessa músculos esqueléticos que se organizam em fibras paralelas entre si e entremeadas por vasos e nervos, repetindo o formato de uma feixe de cana de açúcar. Na volta, o micro-anzol pode lesar algumas dessas fibras musculares, gerando proteínas livres e provocando inflamação focal, sem contar as lesões neurais e vasculares locais.
A maioria dos pacientes não sentem nada depois da anestesia local, pois observamos nas agulhas examinadas ao microscópio eletrônico de varredura, que 80% delas não formaram micro-anzol em seus biséis. Mas em 20% delas, formavam deformações, algumas em formato bem definido de anzol para dentro, e algumas outras, para fora do bisel, na parte externa da agulha.
REFLEXÕES FINAIS
1. Ao anestesiar ou ser anestesiado localmente, deve-se ter cuidado para não ter movimentos bruscos e fazer a agulha tocar no osso. Também devemos evitar, tocar a agulha anestésica no osso e dentes durante o ato operatório.
2. As agulhas analisadas foram de anestesias que precederam procedimentos executados, mas se fizéssemos o mesmo trabalho nas agulhas utilizadas durante as manobras operatórias e cirúrgicas, talvez o número de deformações como os micro-anzóis seria bem maior que 20%.
3. Estas observações, provavelmente, explique a maioria dos casos de sintomatologias na região que foi anestesiada. Se a agulha for injetada novamente, antes, deslize-a em uma gaze e se fisgar fios, pode indicar formação de anzol, troque-a por uma nova.