14 de dezembro de 2025
OPINIÃO

O riso como resistência

Por Zarcillo Barbosa |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista e articulista do JC

"O Mickey vai mudar um julgamento no Supremo?" O ministro Flávio Dino ironizou as pressões de Trump, que impôs tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, na tentativa de interferir no julgamento e beneficiar Bolsonaro. O relator do processo, Alexandre de Moraes, está sob as sanções previstas na Lei Magnitsky mas alterna a pergunta de Dino: "Ou o Pateta?".

Particularmente, nem me dá vontade de rir. A porta-voz da Casa Branca anunciou que Trump não tem medo de uma intervenção militar no Brasil. Lula responde como o rato que ruge: "para o que eles fizerem, a gente tem a Lei da Reciprocidade". Quer dizer, se eles atiram uma bomba no Palácio da Alvorada a gente joga outra na Casa Branca.

O riso é a nossa única esperança.

Vivemos num país dividido. De um lado, os que torcem por um presidente ex-presidiário; e de outro, partidários de um ex-presidente futuro presidiário. É inédito na História do Brasil.

O comediante Paulo Gustavo, dizia sempre que "Rir é um ato de resistência". Não porque diminua os problemas concretos que temos, ou porque importe num ato de fuga ou de omissão. Rir é um sintoma de preservação e de esperança na superação das nossas próprias mazelas. Nossa resiliência é o riso. Outros dois geniais humoristas recentemente falecidos, o cartunista Jaguar e Luiz Fernando Veríssimo, desempenharam papel importante durante a ditadura militar, ao fazerem rir milhões de oprimidos.

O humor fortalece o sistema imunológico, aumenta a energia, diminui a dor, protege contra os efeitos do estresse. Muito mais que isso, é corrosivo na política, principalmente em sistemas autoritários. O advogado de defesa de Paulo Sérgio, gerou surpresa no plenário com uma citação à sogra durante a sustentação oral. "Minha sogra fala: "Às vezes as palavras são como um punhal, uma arma: machucam e doem". Nisso, o celular do advogado tocou no púlpito. Esquecera de colocar no modo silencioso e pediu desculpas. Dino não perdoou: "Depois liga para sua sogra. Com certeza é ela". O defensor de Mauro Cid desmanchou-se, quando se referiu ao ministro Fux: "sempre saudoso, sempre presente, sempre amoroso, sempre atraente, como são os cariocas".

Durante a extensa declaração de voto do ministro Luiz Fux, que durou 13 horas, o colega Flávio Dino não resistiu a uma escapada até a coxia para saber o placar do jogo decisivo do Corinthians contra o Atlético Paranaense. Na quinta-feira, os ministros-remanescentes foram mais rápidos na proclamação dos resultados, antes do jogo Botafogo X Vasco. Antes disso, Dino comentou ter lido na rede social alguém chamando-o de "rocambole do inferno". Achou até poético, mas sua mulher não concordou, por assegurar que o rocambole é só dela e não compartilha com o diabo. O riso também é um mecanismo de defesa para a ansiedade e a insegurança.

- "Réu Jair Messias Bolsonaro - 27 anos e três meses de prisão, 24 deles em regime fechado". Na pele dele, riso, só se for amarelo. Foram 4 votos a 1. Fux "we trust" assistiu a derrota calado, cabeça baixa, sem sorriso. De nada valeu o seu voto-maratona; o fato de ter fatiado os atos criminosos como se fosse um salame, sem correlação, como se uma fatia não fosse composta, como as outras, de gorduras, cartilagens, carcaças de frangos e alguma carne de porco. Errou até na tese da punição do golpe de estado absorver a do crime de abolição violenta do Estado de Direito. Inverteu as bolas e desculpou-se pelo "erro de digitação".

O riso é ambíguo. Na Monalisa de Da Vinci, que está lá no Museu do Louvre, se você puder notar olhando por cima de centenas de cabeças de coreanos e chineses na sua frente, perceberá claramente o que eu quero dizer.

Se nos fixarmos diretamente nos lábios, eles parecem diferentes de quando observamos seus olhos. É um sorriso evanescente - ora está lá, ora não está. É como o Brasil, que muitas vezes rimos dele, e ele ri de nós e a gente nem percebe.