14 de dezembro de 2025
ENTREVISTA DA SEMANA

Danila Zamboni: da lousa às lutas, uma vida de lições

Por Tisa Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 5 min
Tisa Moraes
Danila Zamboni também fez curso de direito na ITE

Aos 89 anos, a professora aposentada Danila Zamboni possui uma trajetória voltada a transformar vidas por meio da educação pública e à luta coletiva por direitos. Nascida na zona rural de Arealva, descobriu sua vocação ao se encantar pelo ambiente escolar quando foi matriculada na primeira série e nunca mais deixou o universo do ensino.

Durante 30 anos, lecionou em diferentes cidades paulistas, enfrentando desafios de deslocamento e realidades sociais complexas, mas sempre guiada pelo propósito de transmitir conhecimento com firmeza, sensibilidade e afeto. Em Bauru, a educadora deixou uma contribuição especial ao lecionar por 16 anos no abrigo da Sociedade Beneficente Cristã (Paiva), no bairro Val de Palmas, onde acolheu e orientou crianças órfãs.

A aposentadoria aos 50 anos não representou o fim de sua atuação pública. Danila aderiu ao movimento de professores aposentados na luta por direitos e participou da fundação da Associação de Professores Aposentados do Magistério Público do Estado de São Paulo (Apampesp). Atualmente, é dirigente regional da entidade em Bauru e segue ativa, solucionando as demandas da unidade e fazendo reivindicações em defesa da categoria.

Entre estradas de terra e viagens de trem para lecionar e reuniões que ajudaram a construir uma entidade estadual, Danila revisita sua história nesta entrevista com serenidade e uma certeza: "faria tudo de novo, se pudesse". Leia os principais trechos.

JC - A senhora nasceu em Bauru? Conte um pouco sobre sua origem.

Danila - Nasci na zona rural de Arealva. Meu pai, Francisco, tinha um sítio e plantava milho, feijão, café. Mas saímos de lá quando eu tinha uns 4 anos e fomos morar na cidade. Na década de 1940, quando entrei no primeiro ano do grupo escolar, gostei tanto que acho que ali escolhi minha profissão. Adorei estar na escola desde o primeiro dia. Em setembro daquele ano, mudamos para Duartina, onde estudei até o quarto ano. Como não tinha ginásio na cidade, minha mãe, Ada, italiana nata, muito decidida, me pegou e viemos para Bauru.

JC - Foi quando se mudou para Bauru?

Danila - Ela me matriculou no Colégio São José, mas a família ficou em Duartina. Como eu era muito pequena para pegar o trem de estudantes, fiquei já naquele dia como interna no colégio. Só voltava para casa nas férias, mas a gente escrevia bastante carta. Depois, a família mudou para Bauru. Concluí o ginásio e a escola normal, equivalente ao segundo grau, como externa e, com 18 anos, comecei a lecionar para crianças de primeira à quarta séries, o que fiz durante meus 30 anos de magistério. A filha da minha madrinha morava em Tupi Paulista e me convidou para ficar na casa dela e dar aulas naquela região, onde faltava professor. Minha primeira turma foi em Nova Guataporanga (SP), na época um vilarejo.

JC - Como foi esse início?

Danila - Todos os dias, pegava o trem e depois um ônibus que transitava em uma estrada sofrível. Lembro que eu não tinha noção de nada e fiquei diante de uma classe de terceira série, só de meninas, porque meninas e meninos ficavam em turmas separadas. Fiquei só um ano com esta turma, mas trabalhei mais uns dois ou três anos naquela região. Depois, decidi vir para Bauru e fazer um curso de aperfeiçoamento no Instituto de Educação. Prestei vestibular, passei e, nesse tempo, lecionei na escola paroquial São Francisco. Depois, voltei para a região de Tupi Paulista e fui lecionar em um vilarejo chamado Ouro Verde. Fiquei lá por um ano e meio e consegui ser removida para Lucianópolis, onde dei aulas por uns dois anos.

JC - Depois, seguiu para onde?

Danila - Vim para Bauru e fui dar aulas no abrigo de crianças da Sociedade Beneficente Cristã, dirigida pelo Sebastião Paiva. O abrigo ficava no bairro Val de Palmas e tinha quatro classes, praticamente só com meninos. Dava aulas para terceira e quarta séries e tinha alunos de 9 até 14, 15 anos, porque vinham de famílias desestruturadas e entraram tarde na escola. Lecionei por 16 anos lá com a Norma Ciancio Andreata, a Dirce Blasca e a Cleide Cozelle. A escola era ótima, tinha material farto, eu gostava muito, mas nós quatro saímos de lá porque íamos e voltávamos de carro e era dispendioso. Então, fui para a escola estadual Iracema de Castro Amarante, na Bela Vista, bairro onde eu já morava. Depois de três anos, aos 50 anos, eu me aposentei. Até hoje, sinto muita falta da escola.

JC - Passou a dedicar-se a outros projetos?

Danila - Fui viajar. Fui para o México, a Europa. Também fiz curso de direito na ITE e passei no Exame da Ordem. O curso foi ótimo e abriu minha cabeça, mas nunca exerci a profissão. Depois, no fim da década de 1980, o governador à época instituiu a gratificação por produção aos professores, deixando os aposentados fora. Então, o professor Geraldo Arone reuniu uma turma de supervisores, delegados de ensino e fundou a Associação dos Professores Aposentados do Magistério Público Oficial (Apampo). Eu me juntei a esse movimento e começamos a percorrer o Estado para espalhar a ideia. Associações foram criadas em várias cidades e, em 18 de outubro de 1994, fizemos uma grande reunião em Ribeirão Preto, quando nasceu a Apampesp.

JC - A senhora segue atuante até hoje?

Danila - Sim. Continuei fazendo viagens, indo a São Paulo para fazer reivindicações. Fui conselheira da regional de Bauru e, atualmente, sou a dirigente. Estamos em uma sede nova na rua Quintino Bocaiúva e vou lá todos os dias. Além disso, gosto de me movimentar e faço pilates, jogo baralho com minha vizinha três vezes por semana. E, como não me casei ou tive filhos, hoje divido os afazeres da casa com meu sobrinho, Francisco, que se aposentou recentemente e com quem passei a morar depois do falecimento da mãe dele. Graças a Deus, fiz tudo o que quis e me sinto realizada. Não me arrependo de nada do que vivi e faria tudo de novo, se pudesse.