Lula nem sempre está certo, mas desta vez, deu a resposta correta: "Trump mente". E não é de agora. O presidente norte-americano acusa o Brasil de cobrar "tarifas enormes" dos produtos que importa, "e nós não estamos cobrando nada deles". Mais uma vez, coloca a questão Bolsonaro no meio das trocas comerciais, chamando de "execução política o que estão tentando fazer" com o ex-presidente.
O escritor norte-americano Sam Harris, chama essa estratégia boquirrota de Trump de "devastação performática". Seria uma espécie de performance sem sentido factual, mas que consegue impactar o público e transmitir emoções ao eleitorado.
Além de desorganizar, com sua fúria tarifária todo o comércio mundial, Trump trabalha para acabar com a globalização, onde as estruturas econômicas e de informação trabalhariam integradas.
Desde a campanha à Casa Branca, na sua primeira eleição, Donald Trump sempre se utilizou dos boatos compartilhados em rede para atrair a atenção do eleitorado. Mandou espalhar notícias de que sua adversária na luta presidencial, Hillary Clinton, era dada a "rituais de magia negra". Inventou que Barack Obama nascera no Quênia e seu pai teria falsificado uma certidão de nascimento no Havaí. O mais surpreendente é que as notícias falsas geraram mais engajamento (compartilhamentos, likes) do que as verdadeiras. Por exemplo, a "notícia" de que o Papa Francisco apoiava Trump foi compartilhada quase 1 milhão de vezes.
Algoritmos do Facebook colocam na sua linha do tempo apenas conteúdos similares àqueles que você "curtiu" anteriormente. O resultado é que não há espaço para o contraditório. As pessoas que se informam pelas redes sociais vivem em uma "câmara de eco" - só ouvem o que querem, basicamente.
Desde então, Trump tem investido no que os sociólogos chamaram, à época, de "pós-verdade". A palavra refere-se a "circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência sobre a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais". Na definição da revista Economist, o público mal "apoia-se em afirmações que parecem verdadeiras, mas não estão baseadas em fatos".
Foi assim que, recentemente, Trump esvaziou os orçamentos dos programas de saúde, educação e de interesse social, alegando "desvio de finalidade". As melhores universidades foram acusadas de "desperdício de verbas públicas" com seus programas de inclusão e diversidade, além de acusadas de antissemitismo por discutir a questão Palestina. Disse o presidente que havia 3 milhões de imigrantes ilegais acusados de cometer crimes, para justificar a deportação em massa de trabalhadores, muito deles com permanência legalizada.
Entre as inverdades trumpinianas, que são repetidas ad nauseam, está aquela dos muçulmanos de New Jersey que, segundo o presidente, teriam comemorado o aniversário do ataque às Torres Gêmeas em 11 de setembro. Nunca aconteceu.
Depois de tanto mentir, Trump ganhou do Washington Post o troféu "Calças em Fogo", equivalente ao Pinóquio. Na era da "pós-verdade", Trump é franco, fala grosso, tem coragem de se insurgir contra o politicamente correto das elites. A população sociologicamente denominada WASP (White, Anglo-Saxon and Protestant), branca, anglo-saxão e protestante, até aceita as mentiras do seu presidente com condescendência. Cheguei a ouvir de um amigo americano: "E daí? Ninguém morreu por causa disso, né? Ele tem a boca grande, mas pelo menos enfrenta o mundo e enriquece a nação".
A tradicional dicotomia (certo ou errado, bom ou mal, justo ou injusto, verdade ou mentira) cede espaço para uma nova era de avaliações fluidas, terminologias vagas, juízos baseados em sensações e não em evidências. A verossimilhança vale mais que o fato comprovado. É a tese do "me engana que eu gosto".
O autor é jornalista.