Definitivamente, vivemos na era do individualismo. A palavra "você" domina slogans publicitários, exaltando o "eu" como centro de valor. Mas, na verdade, o individualismo não é estranho desde a criação: a própria decisão de seguir ou rejeitar a Deus sempre foi pessoal.
Na história, quando Martinho Lutero recuperou a doutrina bíblica do "sacerdócio de todos os fiéis", ele apenas resgatou o ensino de que a salvação é uma relação individual com Deus, mediada unicamente por Cristo, sem a necessidade do intermédio sacramental ou eclesiástico (1Tm 2.5). Por sua vez, as Escrituras, valorizam o indivíduo: cada um comparecerá diante de Deus (Rm 14.12). A fé exige resposta individual (Mt 16.24), e atos como oração, arrependimento e obediência têm caráter pessoal. Contudo, essa dimensão não anula a realidade comunitária: "Somos membros uns dos outros" (Ef 4.25). Há um equilíbrio bíblico entre a responsabilidade individual e a vida em comunhão.
Historicamente, a tradição Batista reflete bem essa tensão. Em sua teologia, afirma-se que cada pessoa é responsável diante de Deus por sua fé, sem imposição externa. Na eclesiologia Batista, cada igreja local é autônoma, não se submetendo a uma autoridade hierárquica central. A. B. Langston (1933) descreveu assim: "O homem é um soberano dentro dos limites da própria alma... liberdade é o reinado do homem dentro da própria alma". Nesse sentido, o individualismo Batista se estrutura como um "individualismo responsável": cada um é livre, mas para servir, amar e glorificar a Deus comunitariamente.
Entretanto, a modernidade produziu um tipo de individualismo distinto: autocentrado, intolerante e hedonista. É o individualismo que coloca o eu como medida de todas as coisas, que sacrifica valores, ética e até o próximo em nome do prazer ou da autoafirmação. Esse individualismo rebelado esquece que "não fostes vós que vos criastes a vós mesmos" (Sl 100.3). A autonomia humana, se desvinculada do Criador, degenera em escravidão: tornamo-nos servos de nossos desejos, paixões ou de um sistema de valores imposto por esse mundo caótico (Rm 6.16).
Biblicamente, podemos distinguir dois tipos de individualismo: - O inaceitável: isolacionista, hedonista, rebelado contra Deus, que transforma liberdade em licença (Gl 5.13) e nega a própria condição de criatura; - O aceitável: permeado por valores que afirmam a dignidade humana, assumem responsabilidades, respeitam o próximo e reconhecem o senhorio de Cristo.
Este último encontra respaldo na Escritura. Jesus chama cada pessoa individualmente: "Segue-me" (Lc 9.23). Paulo exorta: "Cada um examine a si mesmo" (1Co 11.28). A salvação, embora tenha frutos coletivos, exige decisão pessoal: "Crê no Senhor Jesus e serás salvo" (At 16.31). O discípulo de Cristo vive entre dois polos: liberdade individual e serviço ao outro (Fp 2.4). Vale lembrar que o individualismo aceitável não é a negação da comunidade, mas o alicerce dela. Somente pessoas conscientes de sua responsabilidade podem construir comunhão autêntica: "levai as cargas uns dos outros" (Gl 6.2), sem perder a noção de que "cada um levará o seu próprio fardo" (Gl 6.5). Essa tensão entre indivíduo e corpo reflete a beleza da fé cristã.
Quando o individualismo esquece o próximo, degenera inevitavelmente em egoísmo; quando esquece a Deus, transforma-se em idolatria do eu. Mas, quando orientado por Cristo, converte-se em força que edifica, liberdade que serve, autonomia que coopera e escolha que glorifica. Como afirmou o apóstolo Paulo: "tudo me é permitido, mas nem tudo convém" (1Co 10.23). Até mesmo a salvação ilustra essa realidade: embora seja obra exclusiva da graça divina (Ef 2.8-9), exige uma resposta pessoal e consciente. A graça de Deus alcança indivíduos, mas não os isola; antes, os insere na dinâmica viva da comunhão, pois fomos chamados a ser membros uns dos outros no Corpo de Cristo (1Co 12.13). É justamente entre o eu e o nós que floresce a verdadeira espiritualidade cristã, que afirma a dignidade da pessoa sem negar sua vocação comunitária.
O individualismo inaceitável deve ser rejeitado com firmeza, pois proclama a autossuficiência humana, promove o culto ao ego, persegue a satisfação imediata e fecha os olhos para a transcendência. Resultado: destrói não apenas o próximo, mas o próprio indivíduo. Em contraste, o individualismo aceitável reconhece que a plenitude só é alcançada ao submeter-se à soberania de Deus, amar concretamente o próximo e viver de modo responsável e ético. Entre o "eu" que responde pessoalmente ao chamado divino e o "nós" que vive em amor fraternal, manifesta-se o propósito eterno de Deus para a humanidade.
IGREJA BATISTA DO ESTORIL
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63 anos atuando Soli Deo Gloria