Nos últimos 4 anos o país registou crescimento de óbitos e de sinistros no sistema viário nacional. Dados da Polícia Rodoviária Federal, de 2024, mostram que 6,2 mil pessoas morreram, representando mais de 16,9 mortes/dia e 84,5 mil ficaram feridas em sinistros de trânsito. Ao todo, 73,2 mil sinistros foram contabilizados (200,4 ocorrências/dia). Isso seria o mesmo que dizer que na média 16,9 pessoas perderam a vida a cada dia. Essa quantidade é 9,5% mais elevada quando se compara à registrada em 2023. Os números de sinistros e lesionados registraram uma elevação de 10,8% e 7,85%, respectivamente.
Esse crescimento torna evidente um recuo no panorama de diminuição que o Brasil havia conquistado nos últimos dez anos. Desde 2014, em que foram registrados 169,2 mil sinistros e 8,4 mil mortes, o país experimentava a cada ano redução nos óbitos no trânsito. Essa diminuição perdurou até o ano de 2020, com um mínimo histórico de cerca de 5,3 mil óbitos e cerca de 63,6 mil sinistros. O quadro foi alterado no ano de 2021, no qual o país voltou a registrar elevação na quantidade de óbitos e lesionados no trânsito.
Os números desnudam a debilidade da gestão das ações voltadas para a segurança viária no Brasil. Dessa forma, ficam evidentes os resultados insatisfatórios obtidos pelas ações derivadas das políticas públicas que flexibilizaram legislações e mesmo artigos do Código de Trânsito Brasileiro. São alguns exemplos: dilatação no prazo para a revalidação da Carteira Nacional de Habilitação; benefício aos condutores infratores, duplicando o limite de pontos advindos de multas por infrações de 20 para 40; e minimização de ações de fiscalização voltadas a se obter maior segurança nas rodovias federais.
Estudos feitos a partir das causas dos sinistros apontaram que, no ano passado, a falta de atenção foi o fator que propiciou cerca de 42% das ocorrências de sinistros (29 mil); sinistros advindos por reação tardia do condutor (11 mil); falta de qualquer reação do condutor (11 mil); e adentrar na rodovia sem verificar a presença dos outros veículos (7 mil).
Para vários especialistas em comportamento no trânsito, a falta de atenção está diretamente associada com a "deterioração da saúde mental". Dirigir um veículo automotor requer fazê-lo com atenção redobrada. Assim, o uso excessivo de celulares tem contribuído com a falta de atenção no trânsito. Paralelamente a vida atribulada e cada vez mais agitada afeta significativamente a atenção e a tomada de decisões ao volante. Os principais fatores que ajudam a criar um ambiente propício ao sinistro são: imprudência, consumo de álcool e drogas (ilícitas ou não), excesso de velocidade, excesso de tempo dirigindo, dentre outros.
Estes fatos são extremamente graves pela dor de ter-se famílias enlutadas pela perda de milhares de entes queridos e pelo aumento crescente de um exército de mutilados. Neste sentido, o país enfrenta uma grave crise de saúde pública que se alimenta diariamente pelos sinistros de trânsito. A cada dois minutos um brasileiro é internado como consequência dos sinistros de trânsito, vítimas de um sistema que falha na educação, prevenção e fiscalização. Dados da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego apontam um quadro alarmante: 78% das vítimas são homens e 60% deles são ocupantes de motocicletas. A moto é um veículo de baixo custo de aquisição e manutenção que se tornou não somente um meio de transporte, mas igualmente instrumento de trabalho para milhares de brasileiros que lidam em serviços de entrega e transporte por aplicativo.
O Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito 2021/30 é ambicioso, prevendo adoção de iniciativas voltadas à gestão da segurança, à implementação de vias mais seguras, ao incremento da segurança veicular, à educação para o trânsito, ao atendimento de vítimas e ao aprimoramento das normas e fiscalizações. Só falta mesmo colocá-lo efetivamente e plenamente em prática pelo Poder Público.
O autor é professor titular aposentado do Departamento de Engenharia Civil/Ênfase em Engenharia Urbana da UFSCar e coautor do livro Segurança no Trânsito