Em 200 anos desde a sua fundação, Franca recebeu muitos títulos que fazem referência às suas forças. Um deles, o de "Capital do Basquete", se popularizou no último século e se perpetuou pelas ruas do município, tendo se espalhado, também, por todo o país.
A alcunha, é claro, está muito ligada ao Franca Basquete, clube que, ao lado da Francana, "irmã" do futebol, é uma das principais agremiações esportivas da cidade. Mas a história do basquete em Franca começou há muitos anos, antes mesmo do surgimento do time profissional.
Registros históricos apontam que a modalidade, àquela época chamada de cestobol, começou a ser praticada na cidade por volta de 1917, com o nascimento da Escola Francana de Cultura Phisica e o surgimento do Clube Athlético Franca, que tinha David Carneiro Ewbank como técnico.
Ewbank era professor de matemática, mas, por ter um apreço pelo fisiculturismo, acabou migrando para o ramo esportivo. Ele é considerado o primeiro treinador de basquete em Franca e repassou a ligação com a prática esportiva a familiares.
Anos depois, foram criadas outras instituições de esporte no município, o que culminou na fundação da Liga Francana de Cestobol, que teve o Rio Branco como primeiro campeão, em 1931.
A primeira conquista francana no basquete viria cinco anos depois, quando a cidade ficou no terceiro lugar dos primeiros Jogos Abertos do Interior do Estado de São Paulo, competição da qual o município é um dos fundadores.
O clube profissional de basquete que conhecemos hoje como Sesi Franca viria a surgir em 10 de maio de 1959, ano em que o time de Pedro Morilla Fuentes, conhecido como Clube dos Bagres, teve destaque na disputa do Troféu Bandeirantes.
Apelidado de “Pedroca”, o treinador, formado em Educação Física pela USP (Universidade de São Paulo), teve forte influência na amplificação e na profissionalização do basquetebol francano. Por isso, o principal ginásio da modalidade em Franca, onde os embates oficiais acontecem até hoje, recebeu o seu nome.
A partir do destaque dos comandados pelo professor, a equipe começou a disputar campeonatos oficiais pelo estado e conquistou 37 títulos. O primeiro troféu nacional foi levantado em 1971, quando o clube, apoiado pela empresa Calçados Emmanuel, foi campeão brasileiro.
Ainda na década de 1970, o basquete francano venceu outros torneios em todas as esferas, além de ter representado a Seleção Brasileira em alguns campeonatos internacionais. O time também teve, vestindo sua camisa, jogadores de amplo reconhecimento, como os irmãos Hélio Rubens, Fransérgio e Toto.
Entre alcunhas alteradas e comandos trocados, o clube sofreu várias mudanças até o início da década de 90, quando a agremiação passou a ter Franca Basquetebol Clube como nome oficial. O primeiro presidente da instituição foi Francisco Luiz Coelho Rocha.
Apesar de todas as alterações, uma coisa nunca mudou: a entidade esportiva sempre esteve entre as principais do país e enfileirou taças, o que fortificou a relação entre Franca e o basquete.
Em meio a mudanças de eras e alterações até mesmo no basquete nacional, como, por exemplo, a criação de uma nova competição, o NBB (Novo Basquete Brasil), o Franca Basquete passou por reformulações e chegou a lidar com períodos de ‘vacas magras’.
O cenário mudou completamente a partir de 2017, com as chegadas de empresas e organizações – como Sesi e Magalu - que começaram a dar aporte para o clube e ajudaram a montar times que seriam donos de um amplo protagonismo no Brasil – e não só nele.
A partir do ano citado, o Touro conquistou cinco Campeonatos Paulistas, três NBB’s, duas Copas Super 8, uma Liga Sul-Americana, uma BCLA (Champions das Américas) e a Copa Intercontinental, o primeiro título mundial do Franca.
As conquistas na era atual passaram pelas pranchetas e orientações de Helinho Garcia, filho do ídolo Hélio Rubens, ex-armador e técnico do Sesi Franca desde 2016, ano em que Lula Ferreira passou a ser supervisor do clube.
Para o treinador, a tradição do basquete em Franca, que faz a cidade ser conhecida como Capital do Basquete, passa por inúmeros fatores, mas tem a consistência temporal como principal trunfo.
“Você imagina... Na década de 1930, já existiam cinco, seis equipes que disputavam torneios aqui. O meu avô contava que saía pedindo tijolo emprestado nas casas para construir as quadrinhas em meio aos campos de futebol. Essa tradição foi sendo passada de geração para geração”, disse.
Helinho também destaca a importância de figuras históricas para a cultura do basquete francano, como por exemplo a de Pedroca. “O time dele não era alto. Ele marcava pressão na quadra inteira numa época em que isso nem existia. Franca passou a ser referência, e o envolvimento foi aumentando. Temos um legado maravilhoso”.
Historiadores apontam que a expressão “Capital do Basquete” se popularizou por volta dos anos 1990, por conta do amplo domínio francano em competições de vários âmbitos.
“Foi por causa da hegemonia que Franca estabeleceu e pela cobertura televisiva dos jogos da instituição. Havia um domínio acachapante”, disse o historiador e advogado Rodolfo César Pino.
Apesar da popularização nos anos 1990, o termo teria surgido duas décadas antes, segundo Rodolfo. “Eu até menciono isso no livro sobre o Franca que estou escrevendo. Foi na década de 70, mais ou menos, na época do Amazonas. Daí em diante, tudo que conhecemos aconteceu e contribuiu”.
Tanta força e representatividade faz com que Franca, tanto o município quanto o clube, seja capaz de transformar vidas.
Uma delas foi a de Lula Ferreira, profissional do basquete multicampeão e ex-técnico da Seleção Brasileira, que assumiu o cargo de treinador do time em 2012, permanecendo dentro do comando, agora como supervisor, até os dias atuais.
“Franca tem o basquete como as outras cidades têm o futebol. É um povo apaixonado”, disse Lula, que, antes de vir a ser técnico do Touro, foi rival por muitos anos.
“Quando eu comecei, Franca já tinha tradição na modalidade. Eu cheguei a fazer até algumas ‘clínicas’ com o professor Pedroca. Enfrentei o time muitas vezes como jogador e como técnico”.
Lula conta que ficou surpreso quando recebeu o convite para ser treinador da agremiação, mas que, muito orgulhoso, conseguiu desempenhar um bom papel.
“Franca nunca tinha tido um técnico que não fosse daqui. Me orgulhei muito. Fui muito bem recebido, abraçado pela cidade. Até os torcedores que me xingavam durante os tempos de rivalidade me trataram muito bem. Mas é uma responsabilidade gigantesca. Quem trabalha aqui tem que entender e respeitar a história da cidade. Foi o que tentei fazer”, afirmou o supervisor, que encerrou sua carreira como treinador no clube e participou da transição de jogador para técnico de Helinho.
Hilda Couto também teve sua vida transformada pelo basquete francano. Aos 82 anos, ela passou mais de cinco décadas torcendo pelo Franca. Mas a história de ‘Dona Hilda’, como é conhecida, começou dentro das quadras.
“Eu sempre gostei. Quando estudava, comecei a jogar basquete. Pensei ‘ah, isso não é pra mim’, mas, depois, comecei a frequentar o Clube dos Bagres com os meus filhos. Foi onde surgiu o amor por esse esporte”, revelou.
A torcedora é vista frequentemente nas arquibancadas do ginásio Pedrocão, de onde apoia o clube em praticamente todos os jogos. “É onde continuo e continuarei para sempre”.