26 de novembro de 2024
RESTAURAÇÃO

Ex-organista do Vale ajuda a restaurar órgão de Notre-Dame

Por Da redação | Lorena
| Tempo de leitura: 3 min
Reprodução / Arquivo pessoal
Luciana Lemes mostra tubos do órgão da catedral de Notre-Dame

Ex-organista da catedral de Lorena, no Vale do Paraíba, Luciana Lemes, 29 anos, tornou-se responsável pelo instrumento da igreja-símbolo de Paris, a Catedral de Notre-Dame, na França.

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No próximo dia 8 de dezembro, o icônico órgão voltará a ressoar pela catedral durante a missa de reinauguração de Notre-Dame. Na ocasião, o arcebispo de Paris, Laurent Ulrich, pronunciará duas palavras solenes: “Órgão, acorda”.

Então, o organista Thierry Escaich executará no teclado as primeiras notas desde o incêndio que quase destruiu a catedral, cinco anos atrás. Nessa hora, a brasileira Luciana Lemes sentirá uma emoção especial: ela é uma das responsáveis pela afinação do instrumento produzido em 1868.

“Eu queria muito estar lá para ver isso, mas... com certeza, com certeza vai ser emocionante”, disse Luciana à Folha de S.Paulo, de sua casa em Malemort-du-Comtat, cidadezinha de 2 mil habitantes no sul da França.

A improvável história que levou a lorenense a cuidar do órgão de tubos de Notre-Dame começou em 2008, quando ela tinha 13 anos e era estudante de piano em Lorena. Incentivada pela mãe, ela frequentava o coro da catedral de Nossa Senhora da Piedade.

Um dia lhe contaram que a igreja tinha um órgão histórico, do século 19, que precisava de restauração e não havia quem pudesse fazê-lo. “No Brasil só havia um ou dois ateliês. Aquilo mexeu comigo. Pensei: que sacanagem não ter como restaurar”, disse Luciana.

O interesse a levou a concluir a faculdade de música com um trabalho sobre o francês Aristide Cavaillé-Coll (1811-1899), o mais famoso construtor de órgãos do século 19. Seus cerca de 500 instrumentos estão espalhados pelo mundo, entre eles o de Lorena e o de Notre-Dame.

Então, Luciana tornou-se organista do Santuário Nacional de Aparecida. De organista (música), virou também organeira, especialista na restauração de órgãos de tubos. Depois de um período de especialização nos Estados Unidos, em 2021, decidiu tentar a sorte na França.

“Minha jornada foi sempre a de conseguir a experiência necessária para retornar ao Brasil e ajudar o meu país. Em nenhum momento eu pensei que fosse acabar no projeto de Notre-Dame. Fiquei muito chocada quando teve o incêndio.”

Luciana conseguiu emprego na Quoirin, renomada oficina de órgãos na França. Acabou se apaixonando por Raphaël, filho do fundador da empresa, também organeiro. O casal teve um filho e fixou residência perto de Avignon.

Em 2022, a empresa foi chamada para trabalhar na restauração do órgão de Notre-Dame, um instrumento complexo, com 8.000 tubos. Desde então, a brasileira teve o raro privilégio de trabalhar em diversos períodos dentro da catedral em obras. “Ainda não consigo assimilar que fiz parte disso, tenho flashbacks de entrar na catedral, subir a escadaria”, afirmou.

O trabalho exige equipamento especial de proteção devido à poeira tóxica de chumbo deixada pelo incêndio. Ela operou na desmontagem, remontagem, afinação e harmonia.

“É como se cada tubo do órgão fosse uma pessoa, que você ensina a cantar e depois afina, faz com que dê a nota que você está esperando, com o timbre necessário. São horas de trabalho duro”, explicou.

O que mais dificultou o trabalho foi o barulho constante da obra, segundo Luciana. “A gente trabalhava junto com os outros operários, com barulho de picareta, de martelo, nossa, foi muito difícil. A gente tentava se concentrar ao máximo, porque a reabertura estava prevista havia muito tempo para 8 de dezembro”.

Semanas atrás, o organista titular Thierry Escaich entrou na catedral e experimentou pela primeira vez o console do órgão. Ele ainda não estava totalmente pronto, mas Escaich qualificou o som de “genial”.

Luciana diz sentir orgulho pelo percurso que a levou da humilde igreja de Lorena ao que é considerado o ápice em sua profissão, a restauração de um dos órgãos mais célebres do planeta. “Quero mostrar que é possível, sabe? É só correr atrás. O mundo é tão pequenininho. Tem que tentar”.

* Com informações da Folha de S.Paulo