Ainda tem gente que “acredita” que na gravidez, os dentes da mulher se enfraquecem pois perderiam mineral para o embrião e feto. O verbo acreditar na ciência não existe e está mais ligado à religião e política. Na ciência usa-se evidenciar, demonstrar e comprovar.
Os dentes são formados às escondidas no corpo. Na parte externa da raiz temos um “revestimento protetor” de cementoblastos e, na parte interna, de odontoblastos. São células sem receptores ou “ouvidos” para os mediadores da constante remodelação óssea. As doenças que envolvem os hormônios e os minerais não afetam os dentes, pois estas células são “surdas” para estes mediadores.
Ossos não encostam nos dentes porque na membrana do ligamento periodontal, que envolve as raízes, tem-se a liberação constante de um mediador chamado EGF pela rede epitelial de Malassez. Ele estimula a reabsorção óssea constante ao redor da raiz. Os dentes não ficam expostos às células clásticas do osso, que poderiam reabsorvê-los. Isto só acontece quanto traumatismos dentários e outras causas matam as células protetoras.
Alguns trabalhos, por razões éticas não devem mais ser repetidos, mas podemos resgatar trabalhos clássicos com evidências muito interessantes. Naquela época, havia a preocupação se os dentes poderiam atuar como reservatório de cálcio, inclusive na gravidez, Era muito comum as pessoas dizerem que a cada gravidez, se perdia tantos dentes, o que não é verdade. Durante a gravidez, se muda a dieta, hábitos e todas as circunstâncias físicas e psicológicas na vida da mulher.
Em 1918, Willian J. Gies e colaboradores injetaram o corante Azul de Tripan no peritônio de cinco cachorras em várias fases de formação dos dentes. O corante assim se depositava e se ligava aos componentes celulares e teciduais deixando o esmalte e demais áreas azuladas, inclusive gengivas. Isto não ocorreu no animal controle em que se injetou corante depois da completa formação dos dentes. Alguns meses depois, quando se finalizava a odontogênese, não mais se injetava o corante. Os tecidos se renovam o tempo todo, sendo absorvidos e reabsorvidos, e voltavam a ficar com a cor normal, mas os dentes ficavam a vida toda azulados.
Estes achados revelaram que as substâncias se incorporam definitivamente nos dentes e não atuam como reserva mineral. Dentes não são passíves de reabsorções para se controlar o nível sanguíneo de íons como o cálcio, tal como os ossos. Na gravidez e nas doenças endócrinas, os dentes também não são utilizados como reserva mineral.
Em 1932, Fish manteve uma fêmea canina grávida com dieta muito pobre em cálcio e extraiu, inicialmente, um de seus dentes para determinar o teor de cálcio. No final da investigação os ossos da cachorra estavam tão moles e desmineralizados que dificilmente eram visíveis ao exame radiográfico. Ele destacou que se podia cortar os ossos com faca comum de tão pouco mineralizados. Os dentes, porém, estavam com a mesma densidade radiográfica e mesmo teor de cálcio anterior. Estes dados demonstraram a não participação dos dentes como fonte de reserva de mineral, mesmo na prenhez e ou gravidez.
Em 2002, Telma R.G. Francischone, uma médica endocrinologista, pesquisou em sua tese de doutorado, se as reabsorções dentárias fariam parte do quadro clínico de mais de 80 pacientes com nove doenças endócrinas mais comuns. Seu pesquisa demonstrou que os dentes destes pacientes não apresentavam qualquer alteração, em especial as reabsorções radiculares relacionadas com estas doenças sistêmicas.
Se houver cáries e doenças periodontais durante a gravidez, elas estão associadas a mudanças de hábitos, alterações da dieta e dos cuidados com as condições bucais. Na gravidez, a mulher deve receber uma orientação muito especial: a de que seus dentes não estão enfraquecidos e que os cuidados pessoais devem ser maiores ainda, pois foi o meio bucal que mudou!