27 de dezembro de 2024
COLUNISTA

Esmalte tem vida, ‘chora e sangra’!

Por Alberto Consolaro |
| Tempo de leitura: 3 min
Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC
O esmalte, no microscópio eletrônico, tem superfície ondulada, porosa e os seus cristais

O esmalte dentário tem vida, embora alguns o achem inativo e amorfo como metal, resina ou cerâmica. Tem vida por apresentar circulação e metabolismo específicos, como acontece com o sangue e linfa em outras áreas do corpo.

O esmalte tem prismas com cristais de hidroxiapatita como fossem tiras ou ripas contorcidas, com um líquido circulante entre eles. Os cristais são como grãos de areia hexagonais muito compactados entre si, formando este corpo sólido altamente mineralizado. O que circula entre os prismas e cristais se chama “líquido adamantino”. É como o sangue ou seiva do esmalte que hidrata e promove trocas metabólicas. Se colocarmos certos corantes na superfície, em algumas horas atravessa-o e pode chegar à polpa e sangue.

O líquido adamantino leva e trás íons da superfície para outras partes. Graças à sua circulação, os íons aplicados são incorporados na superfície do esmalte como ocorre com o uso tópico de flúor. Estas trocas iônicas permitem a remineralizarão do esmalte nas manchas brancas por cárie e após a clareação externa. Quando o dente irrompe na boca, as quantidades dos minerais entre as camadas mais profundas e superficiais do esmalte são semelhantes, mas à medida que ocorre a exposição à boca, a superfície transforma-se e fica mais mineralizada.

A SUPERFÍCIE

A superfície do esmalte é ondulada com milhares de poros e são marcas deixadas pelos ameloblastos, as células que o formou. Os poros da superfície se comunicam com os espaços existentes entre os cristais, e o líquido entra e renova a composição dos cristais, dando permeabilidade ao esmalte. 
Podem entrar ácidos bacterianos e de outras origem que promovem a desmineralização subsuperficial dos cristais, dissolvendo-os como um gelo no copo de bebida, diminuindo sua estrutura e alterando sua forma com aumento da porosidade e permeabilidade, facilitando a entrada de agentes indesejáveis que podem chegar à dentina e polpa. Na mancha branca de cárie, já há alterações pulpares localizadas e subclínicas.

Ao aplainar, cortar, eliminar, alisar, polir, clarear e mudar quimicamente o esmalte, estamos trabalhando em tecido vivo, com metabolismo e circulação próprias e mesmo que seja, só em esmalte. Devemos ser seletivos e rigorosos nas indicações e recomendações de produtos cosméticos, dentifrícios, antissépticos, alimentação e clareadores sobre os dentes.

A porosidade pode levar a reflexos na dentina e polpa.  A circulação do líquido adamantino entre os cristais do esmalte interliga-se com o fluido dentinário que circula por entre os milhões de túbulos. Há uma circulação própria no esmalte, dentina, cemento e polpa com seus fluidos específicos.

REFLEXÃO FINAL

As pessoas cuidadosas com suas joias, lavam e dão banho com água do mar, tratam, cuidam e guardam suas pérolas em lugares especiais, pois acreditam que elas têm vida! Não deixam as pérolas expostas a perfumes, não permitem seu atrito com outras superfícies. Querem evitar que as pérolas “morram” e com isto percam seu brilho, viço, valor e magia. É assim que o esmalte deve ser cuidado! Adamantino é o adjetivo para esmalte e significa o que tem brilho e dureza semelhantes ao diamante.

As lentes, facetas e outros procedimentos podem melhorar ou suprir a superfície, mas na preparação do esmalte e dentina, tem vida logo abaixo a ser respeitada. O esmalte e dentina não sangram vermelho, mas escorrem e derramam os seus “líquido adamantino” e “fluido dentinário” transparentes, como lágrimas resignadas e imperceptíveis! A Odontologia antes de ser arte, é uma ciência que deve ter o rigor e a destreza necessária para ser exercida com a sensibilidade dos poetas e o conhecimento dos sábios!

Alberto Consolaro – Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC.