Finados sempre foi aquele dia meio esquisito, né? A gente sabe que precisa ir ao cemitério, levar flores, dar uma rezada, mas, no fundo, ninguém gosta muito da ideia. Afinal, cemitério é lugar de reflexão, e brasileiro gosta mesmo é de festa. E olha, até que a coisa toda tem um certo clima social: a gente encontra parentes que não via há anos, troca as novidades ("E o Zé? Já se casou?"; "A Maria tá trabalhando com o quê agora?"). Só falta o churrasco para o evento virar reunião de família.
Agora, tem um detalhe curioso: as flores. Quem é que colocou na cabeça das pessoas que finados precisa de flor cara? Parece que nessa época do ano, o preço do cravo, da rosa e da margarida sobe mais que o da gasolina. O bom e velho crisântemo, aquele que sua avó sempre comprava porque "é o que tem pra hoje", vira artigo de luxo. E se você for ousado o suficiente para levar uma flor mais exótica, prepare-se: vão pensar que é seu último dia de pagamento do carnê das Casas Bahia.
E, claro, não podemos esquecer do calor. Finados parece ter um acordo com o clima para ser o dia mais quente do ano. É aquele sol de rachar, que faz a gente suar até na sombra das árvores do cemitério. E é por isso que, depois de toda a caminhada entre os túmulos, nada combina mais com o fim do passeio do que uma boa melancia fresquinha, comprada ali na barraca em frente ao portão do cemitério. Quem nunca se sentou no meio-fio, comendo melancia e colocando as ideias no lugar? É como se aquele pedaço de fruta fosse o alívio perfeito para a reflexão do dia. Um refresco para o corpo e para a mente.
Mas, tirando essa extravagância floral e o calorão, finados é aquele momento de nostalgia. A gente ri ao lembrar das histórias engraçadas dos que se foram, e, sem querer, dá uma risadinha ali na frente do túmulo. Afinal, quem disse que lembrança precisa ser triste? Saudade é um negócio esquisito, porque a gente aprendeu que deveria doer, que era pra ser aquele aperto no peito, mas a verdade é que saudade não precisa ser triste. Saudade pode ser leve, colorida como as flores que levamos. Saudade é lembrar com carinho, sem mágoa, das gargalhadas, dos momentos de alegria, das conversas que ficaram suspensas no ar. É aquela sensação boa de que vivemos algo que valeu a pena, que marcou e fez história.
Ano passado, por exemplo, encontramos o velho amigo Carlos. Ele estava lá no cemitério, como em todos os anos, levando suas flores e contando suas piadas. Era o tipo de pessoa que não deixava passar uma oportunidade de arrancar uma risada, até no meio de um lugar sério como aquele. Lembro que ele falou algo como "Se eu não vier ano que vem, vocês já sabem onde me achar." Rimos, claro, porque era o jeito dele de lidar com tudo. E, veja só, a vida tem dessas ironias. Este ano, cá estamos, e o Carlos não apareceu. Ele se foi, partiu de fininho, como quem não quer incomodar. E agora, somos nós que levamos as flores para ele.
Em momentos como esses, não tem como não pensar nas palavras de Jesus: "Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá" (João 11:25). Esse versículo nos lembra que a morte não é o fim, mas uma passagem. E quando pensamos assim, a saudade ganha um outro significado, mais suave, mais esperançoso.
O interessante é que o dia de finados, no fundo, não é só para os que já partiram, mas também para quem ficou. A gente para um pouquinho a correria, reflete sobre a vida, sobre as histórias que ainda temos para viver. E depois do passeio pelo cemitério, voltamos para casa renovados, com aquela sensação de missão cumprida — e talvez um vasinho de crisântemo a mais para cuidar.
Afinal, no meio de toda essa reflexão, percebemos que celebrar a vida é isso: sorrir com o passado e olhar para o futuro, mesmo que ele envolva dar um pulo no cemitério com as flores mais caras da cidade e uma fatia de melancia na mão. E vamos combinar? No ano que vem, quem sabe, a gente não leva uns girassóis só para variar!
Porque saudade, quando bem vivida, é flor que nunca murcha.