29 de novembro de 2024
OPINIÃO

O suicídio

Por José Brandão |
| Tempo de leitura: 2 min
O autor é membro da Academia Bauruense de Letras (ABLetras)

O poeta e filósofo Antonio Cícero estava com Alzheimer e, antes que se agravasse o seu caso e não pudesse tomar nenhuma decisão, decidiu viajar à Suíça onde o suicídio assistido é permitido. Todos (ou todos que se pronunciaram) elogiaram o seu ato final. Vou deixar aqui umas reflexões sobre esse ato, que afinal, se não o justificam, convidam o leitor a refletir sobre o assunto. Como Antonio Cícero se dizia ateu e por isso era dono do seu destino, não discuto o caso do ponto de vista religioso.

O único problema filosófico verdadeiramente sério é o suicídio, diz Albert Camus. Julgar se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma questão fundamental da filosofia. Pode ser que muitos encontraram a resposta negativa e tiveram a coragem de acabar com seus dias e noites sem sentido.

Outros se acovardaram, o que é mais comum e mesmo louvável, humano. Outros muitos não encontram resposta nenhuma e se entregam ao desespero ou depressão ou angústia ou ao que quer que seja que não podem suportar e sucumbem, porque o homem é fraco. Suicidam-se por não terem coragem para se suicidar.

Por que um homem se mata?

Este deve ser um problema mais humano do que filosófico. Não basta julgar, responder, decidir. Nunca se saberá se a decisão foi acertada. Julgar é um processo intelectual, responder implica em ação pura e somente após concluída essa ação se pode dizer que foi tomada uma decisão. E a fraqueza humana é tal que a maioria de nossas ações não se explicam. Muitas vezes ou sempre agimos não por uma resposta filosófica, mas porque é de nossa natureza agir de tal ou qual forma.

"Se te queres matar, por que não te queres matar?" - pergunta Fernando Pessoa e responde: "Se ousasse matar-me, também me mataria." E parece que ousar é tudo, mas o certo é que muita gente se mata por não ousar viver. Ou, em contrapartida, há o caso de Cioran, que justificou o suicídio a vida inteira. A vida não vale a pena e a dor de ser vivida. Parece que só porque foi o filósofo da amargura, da decomposição, viveu mais de oitenta anos.

Tudo é muito bonito e interessante intelectualmente, mas a vida e a morte não são literatura. As palavras trabalhadas com arte são literatura. A arte responde o que a filosofia não pode responder, mas sempre sobram perguntas sem resposta. São interrogações no vazio e nem o vazio de depois da vida é uma resposta. A religião pode preencher esse vazio como a arte e a filosofia podem, mas humanamente resta o caos, que nada preenche.

Se há transcendência todos os problemas estão resolvidos, se concluímos que há Deus morrem todos os motivos para se questionar a vida, mas muitas vezes ou sempre agimos segundo a nossa natureza, ou contra a nossa natureza.