Morreu nesta quarta-feira (30) o pianista Arthur Moreira Lima, que desbravou o Brasil em seu piano, aos 84 anos. O artista, que tratava câncer no intestino desde o ano passado, estava na casa da sua família em Florianópolis. A informação foi confirmada pela sua enteada e ainda não há informações sobre velório.
Corria o ano de 1975 quando estourou no mercado discográfico brasileiro o LP duplo de Arthur Moreira Lima interpretando peças para piano de Ernesto Nazareth. A soma dos dois nomes foi meio ocasional. O grande pianista que frequentava pouco os grandes circuitos internacionais se encontrava com o compositor morto em 1934 e que não era ainda uma unânime celebridade musical. Não estava esquecido, mas tampouco era na época tão lembrado assim.
O compositor erudito Ronaldo Miranda, na época crítico musical do Jornal do Brasil, escreveu que o disco de Nazareth fora uma das poucas coisas diferentes e relevantes que haviam surgido no mercado da música do Brasil. Moreira Lima foi no fundo um grande desencontro. Trazia no currículo dois prêmios de imenso prestígio no pianismo internacional: segundo lugar no Frédéric Chopin de 1965 e o terceiro lugar no Tchaikovsky de 1970.
Ele poderia ter sido solista em gravações com a Filarmônica de Viena ou com a Sinfônica de Boston, sob a direção de grandes regentes do final do século 20. Mas optou por uma via bem mais brasileira. Colocou um piano na carroçaria de um caminhão e saiu fazendo música Brasil afora. Misturava o repertório clássico e popular junto a plateias que certamente não tinham uma ideia muito técnica sobre o brilhantismo e a musicalidade de suas interpretações. Foi o projeto Piano pela Estrada, com impacto restrito aos locais pelos quais passou.
Mas era algo modesto. Vejamos. Moreira Lima, nascido no Rio, começou a estudar piano com Lúcia Branco, que era na cidade também a professora do mineiro Nelson Freire e do carioca Tom Jobim. Esse currículo se enriqueceria com dois outros professores de altíssimo prestígio na Europa. A saber, Margarite Long, em Paris, e Rudolf Kehrer, em Moscou.
Era uma formação suficiente para se tornar, como ele o fez, um grande intérprete de compositores românticos como Liszt e Chopin, ou já do século 20, como Serguei Prokofiev e Heitor Villa-Lobos.
Em todo esse repertório o pianista brasileiro enfrentou um paradoxo. Respeitado ao extremo pelos bons conhecedores, não se tornou, no entanto, um intérprete de referência de seu repertório. Arthur Moreira Lima era um pianista encantado pela música. Não gostava de se comparar. E não ligava para as críticas de quem achava que ele não deveria ampliar indefinidamente seu acervo pessoal -por que não os concertos para piano de Beethoven e os de Brahms?- para ser comparado automaticamente com intérpretes que lhes foram contemporâneos.
Moreira Lima, para retomar o estereótipo, foi o gênio solitário. Que brilhou com intensidade apenas aos olhos dos que se esforçavam para vê-lo.
Há por fim a imodéstia como traço da personalidade do pianista que acaba de nos deixar. Ele nunca deu muita publicidade a seu trabalho por meio de entrevistas. Entre os grandes de seu instrumento ele foi com certeza o menos entrevistado. A mídia falava dele para não ser injusta, e não por opção promocional.
Uma das exceções a esse silêncio foi a série de 11 entrevistas que ele gravou a partir de 2020, durante a epidemia, com Alexandre Dias, diretor do Instituto Piano Brasileiro.
O pianista discorre, por exemplo, sobre como a gravação dos LPs duplos de Nazareth, entre 1975 e 1976, foi entremeada por um LP com peças de Chopin, lançado pela Marcos Pereira, que era, a propósito, uma gravadora apenas de música popular.
Arthur Moreira Lima tornou-se o músico eclético que sempre pretendeu ser. E foi em torno dessa imagem que ele trabalhou até o final de seu longo trajeto ao teclado.