A necessidade de contratar trabalhadores temporários para reforçar as vendas da Black Friday e das festas de fim de ano escancarou um problema que empresas de Bauru já têm detectado há algum tempo: a dificuldade em encontrar profissionais qualificados. Segundo especialistas em recursos humanos, é uma realidade que teve impulso após a pandemia de Covid-19 e vem ganhando força, criando uma lacuna entre os anseios dos trabalhadores e das corporações.
Para se ter ideia, as 800 lojas do comércio associadas à Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Bauru tentam, desde o início deste mês, contratar entre 100 e 120 trabalhadores temporários, mas, até o momento, conseguiram recrutar apenas 5% do projetado. Da mesma forma, os estabelecimentos vinculados à Associação Paulista de Supermercados (Apas) em 50 cidades da região acumulam mais de 1 mil vagas abertas — no Estado, são 30 mil.
Segundo Danielle Nascimento, consultora de RH em gestão de pessoas, a dificuldade em encontrar mão de obra especializada é enfrentada pelas empresas não apenas neste período, mas ao longo de todo o ano. E atinge não apenas o comércio, mas também os segmentos de serviços e indústria, tais como restaurantes, lanchonetes, padarias e transporte de mercadorias comercializadas online.
Se, por um lado, em uma era dominada pelo digital, as organizações desejam profissionais com habilidades humanas como adaptabilidade, iniciativa, resiliência e resolutividade, os trabalhadores mais qualificados passaram a priorizar trabalhos que assegurem seu desenvolvimento pessoal dentro e fora das empresas.
"Os candidatos têm falado mais abertamente nas entrevistas que não querem, por exemplo, trabalhar em feriado, e querem saber se há possibilidade de crescimento na carreira. Em fim de ano, esse cenário se agrava por conta dos horários estendidos, do volume de trabalho aumentado. A pessoa qualificada fica mais exigente e começa a fazer escolhas", analisa ela, que também é especialista em mentoria de carreiras.
Em meio à valorização do equilíbrio entre vida pessoal e profissional em um contexto pós-pandêmico, muitos destes profissionais decidiram trabalhar por conta própria, com flexibilidade de horário. Em Bauru, o número de microempreendedores individuais (MEIs) segue em curva ascendente, somando cerca de 46 mil registros. "Uma cozinheira de restaurante, por exemplo, pode acabar optando por ter autonomia, porque sabe que cozinha bem e tem potencial para formar clientela", destaca.
Com esta migração, parte das vagas abertas acaba não sendo preenchida, visto que trabalhadores menos capacitados, em sua maioria, são os que irão se habilitar a participar dos processos seletivos, mas não atendem às exigências para assumir o cargo.
Consultor jurídico da CDL, Elion Pontechelle Junior revela que, recentemente, uma empresa associada analisou 80 currículos que candidatos cadastraram na plataforma Emprega Bauru, da prefeitura, a fim de contratar vendedores.
Após selecionar dez e fazer as entrevistas, nenhum deles foi aprovado. "Às vezes, a pessoa até é chamada, mas, no período de experiência, principalmente quando é muito jovem, já mostra que não tem perfil de trabalhador, não sabe se portar, não tem habilidade para se comunicar, não tem iniciativa, não quer trabalhar aos sábados", enumera, destacando que a remuneração média fica acima do salário mínimo, além do vale-transporte e vale-alimentação.
Para Elion Pontechelle Junior, a oferta de cursos profissionalizantes voltados ao desenvolvimento de habilidades humanas, especialmente entre o público mais jovem, precisa ser ampliada na cidade.
Já Danielle Nascimento avalia que, em algum momento, as próprias empresas precisarão se articular e investir na capacitação dos colaboradores.
"Especialmente os mais jovens, que ainda estão entrando ou têm pouca experiência no mercado de trabalho, demandam um preparo maior. Então, as organizações precisam começar a pensar em destacar um funcionário para treinar estas pessoas e promover o que chamo de espelhamento de modelo profissional", avalia.
A dificuldade em encontrar profissionais qualificados tem levado, inclusive, a uma alta nas contratações de estrangeiros. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, entre admissões e demissões, eles ocuparam 70 das 4.051 novas vagas geradas em Bauru de janeiro a agosto deste ano, quase 2% do total. Para se ter ideia, no mesmo período de 2021, quando foram criados 5.097 postos, apenas 46 — menos de 1% — foram assumidos por imigrantes.
Já o setor supermercadista oferece oportunidades também de primeiro emprego a jovens e para retorno de pessoas com mais de 60 anos ao mercado de trabalho. "Para ajudar a capacitar aqueles que desejam se especializar, a Apas oferece cursos de formação em diversas áreas, reforçando o compromisso em fomentar o emprego e contribuir para a qualificação profissional.
Estamos em contato com os poderes públicos para desenvolver ações que possam ampliar essas oportunidades", frisa Carlos Correa, diretor-geral da Apas. Vale destacar que a taxa de desemprego no Brasil caiu para 6,8% no trimestre de maio a julho de 2024, menor índice para o período na série histórica. São dados que, segundo Danielle, reforçam a necessidade de os profissionais se aprimorarem para deixar o grupo da estatística.