28 de setembro de 2024
OPINIÃO

Riscos da IA: fuga e desumanização

Por Wellington Anselmo Martins |
| Tempo de leitura: 2 min
Mestre em Comunicação (Unesp-Bauru)

O repetido "prefiro bicho do que gente" pode dar lugar ao "prefiro robô do que gente". Nas últimas décadas, o mundo tem enfrentado um agravamento do individualismo e do isolamento social. Antes da pandemia, esse processo já estava ocorrendo no Brasil e em vários outros países. Porém, a pandemia acentuou essa marca de fuga e desumanização dos tempos atuais.

Por causa das possibilidades da internet, os usuários humanos costumam navegar pelas redes sociais para encontrar outros usuários humanos, ver as suas fotos, memes, crônicas do cotidiano, opiniões políticas, etc. Mas com as inovações possíveis advindas da inteligência artificial (IA), é possível que, em um futuro próximo, mais e mais usuários humanos acessem a internet não para encontrar outras pessoas no ciberespaço, mas para interagir com robôs.

A partir do ChatGPT, a IA já demonstrou o seu enorme potencial de diálogo. A IA interpreta muito bem textos em diferentes idiomas e responde com coerência e velocidade impressionantes. Todo usuário de IA sabe que ela também alucina e pode oferecer respostas erradas e mentirosas. Mas, além de as empresas de comunicação estarem trabalhando para corrigir esses equívocos do robô, também isso torna a IA mais próxima do que é o ser humano, pois as pessoas igualmente costumam alucinar e, infelizmente, também oferecem fake news.

As próximas etapas do desenvolvimento da IA vão torná-la ainda mais humanizada, com tempo de resposta e voz humana muito próximos da realidade social comum. Também a linguagem corporal, as caras e bocas da IA, estão sendo aprimoradas de modo incrivelmente rápido e, por isso, os rostos dos robôs tendem a ser cada vez mais convincentes quando aparecerem nas telas dos nossos celulares, tablets, computadores, etc. Tudo isso, voz, rosto, tempo humanizado de diálogo, tende a estimular cada vez mais os usuários humanos a se envolverem afetivamente com a máquina.

Ao olhar um rosto na tela do computador emitindo uma voz humana e com um discurso coerente, apesar de vir de um robô, os usuários humanos tendem a se projetar sobre o que veem e escutam. Porém, ao humanizar os robôs, as pessoas podem desumanizar ainda mais as relações sociais que ocorrem entre os próprios seres humanos. Ou seja, o isolamento social acarretado pelas novas mídias tem potencial para viciar, cada vez mais, as pessoas nessas interações com computadores, mesmo que isso diminua ainda mais o interesse na construção afetiva das relações com os colegas, amigos e familiares humanos - e até com os animais de estimação, que, em muitos casos, já era um antigo tipo de fuga das relações humanas e que, agora, pode ser substituída pelos robôs com IA.