28 de setembro de 2024
OPINIÃO

Pensar dói: a dureza e a beleza de encarar a realidade

Por José Marta Filho |
| Tempo de leitura: 3 min
Engenheiro e matemático; professor doutor aposentado, na Unesp

Pensar dói. Não há como negar. Refletir profundamente, questionar o que é dado como certo e encarar as complexidades da vida exige coragem, algo que nem sempre estamos dispostos a exercer. Pensar nos tira da zona de conforto e nos obriga a encarar verdades que, muitas vezes, preferimos ignorar. Mas será que essa dor é sempre negativa? Ou será que ela é um caminho inevitável para o crescimento?

Pesquisas recentes da Universidade Radboud, na Holanda, mostram que o cérebro humano tende a evitar atividades que exigem grande esforço mental porque estas causam desconforto. O estudo indicou que, ao se deparar com tarefas cognitivas complexas, áreas do cérebro associadas à dor física são ativadas. Isso reforça a noção de que pensar, principalmente sobre questões difíceis, pode gerar desconforto real.

O problema é que as escolas, que deveriam estimular o pensamento crítico, muitas vezes falham nesse objetivo. Disciplinas como Matemática e Física, que poderiam fomentar o raciocínio lógico, acabam se limitando à memorização de fórmulas e regras. Alunos aprendem a seguir procedimentos automáticos, mas raramente compreendem a lógica por trás deles.

Em Matemática, por exemplo, os estudantes decoram fórmulas para encontrar o "X" de uma equação, mas poucos entendem por que esse processo é importante ou como ele pode ser aplicado no mundo real. Em Física, o foco é na resolução mecânica de problemas, como calcular velocidade ou força, sem que os alunos sejam incentivados a refletir sobre os fenômenos que esses cálculos representam no cotidiano.

Essa abordagem técnica e repetitiva, que privilegia a reprodução automática de soluções, acaba desestimulando o pensamento crítico. E, sem esse estímulo, a sociedade tende a buscar a conformidade, preferindo a segurança das certezas prontas e o conforto de um pensamento homogêneo.

A diferença entre pensar nas exatas e nas humanidades também merece atenção. No campo das exatas, como Matemática e Física, o pensamento costuma ser estruturado em torno de regras, leis e fórmulas universais. A lógica é rigorosa e objetiva, e o pensamento crítico se manifesta na capacidade de resolver problemas e comprovar teorias. Porém, há uma tendência de se focar na obtenção de respostas precisas, o que pode limitar a criatividade e a reflexão crítica mais ampla.

Já nas humanidades, como Filosofia, Sociologia ou Literatura, o pensar envolve múltiplas interpretações e contextos. Não há uma única resposta correta, mas diversas possibilidades que dependem de valores, culturas e perspectivas. O pensamento humanístico se volta para as nuances, as incertezas e os dilemas éticos. Isso torna o exercício mental mais subjetivo, mas também mais rico em termos de reflexões sobre a condição humana. Ao invés de respostas exatas, o foco está nas perguntas e nos debates, o que pode ser desconfortável para quem busca certezas.

Essa diferença entre o pensamento nas áreas exatas e nas humanidades é significativa. Enquanto o primeiro busca precisão, o segundo lida com a ambiguidade. Em ambos os casos, pensar profundamente pode causar dor, seja pelo esforço de encontrar soluções complexas, seja pelo desconforto de questionar valores e normas estabelecidas.

A história está repleta de exemplos de pessoas que, ao questionarem o estabelecido, transformaram o mundo. Mas, para muitos, esse caminho foi acompanhado de solidão, incompreensão e sofrimento. Ainda assim, escolheram seguir em frente, suportando a dor de pensar. É essa coragem de enfrentar o desconforto que nos inspira. Afinal, apesar da dificuldade, sabemos que o pensamento crítico é o único caminho para a evolução.

Pensar dói, sim, mas é essa dor que nos distingue, que nos faz humanos e, no fim, nos torna melhores.

A pesquisa da Universidade Radboud apenas confirma o que já suspeitávamos: pensar profundamente pode ser desconfortável, mas é a única maneira de transformar o mundo.