28 de novembro de 2024
COLUNISTA

Doença autoimune ou a tolerância acabou!

Por Alberto Consolaro |
| Tempo de leitura: 3 min
Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC
Divulgação
Macrófago processando bactérias por fagocitose: se houver proteínas estranhas vai apresentá-las para os linfócitos!

Me peguei ensinando imunologia para meu filho de 2 anos. Mas como? Pois é, já havia cantado muito esta música com ele no Vila Sésamo, mas desta vez deu um clic e falei: nossa, é um hino à genética e à imunologia. “Além de mim não tem ninguém que seja eu. Só eu sou eu. Vem cá, menina, vem brincar comigo. Que outra criatura igual jamais nasceu. Vem cá, menino, vamos lá, juntinhos. Ainda bem que a gente é você e eu. E cada um é cada um, e cada eu.” (Só eu sou eu - Arthur Nestrovski/Marcelo Jeneci.). 

Como assim? Espermatozoide e óvulo misturam 25 mil informações ou genes de cada um e cria-se uma nova combinação para gerar uma pessoa única no mundo: você, eu e todos nós! Será impossível encontrar alguém com a mesma combinação. Somos 10 trilhões de combinações com 25 mil genes. Com uma célula grudada na taça ou nas unhas da namorada, se poderá cloná-lo!

TOLERÂNCIA

Na vida intrauterina, muitas substâncias passam da mãe para o filho como íons, aminoácidos, proteínas, gorduras e carboidratos. As proteínas são catalogadas e ao nascer o registro se fecha. Na vida temos uma memória de todas as proteínas que entraram em nossa composição durante a fase intrauterina. Se não consta na memória, a proteína será reconhecida como estranha e combatida até ser eliminada, juntamente com quem a carrega como os microrganismos, células transplantadas e as células atípicas geradas por erro do próprio corpo. 
Os macrófagos se distribuem pelo corpo em todos lugares e tecidos. São os guardiões da memória proteica ou imunológica e oferecem imunidade à entrada destes componentes no corpo. Ao reconhecer uma proteína estranha o macrófago apresenta-a para uma célula conhecida como linfócito T4 auxiliar. A partir deste momento, a coordenação da reação para que o organismo destrua quem tem a proteína estranha passa a ser deste linfócito. Ele será o “maestro” de várias células como os linfócitos T citotóxicos, e esta “orquestra” se chama sistema imunológico. A “sinfonia” destas reações celulares contra a proteína estranha é a resposta imunológica.

PERDEU A TOLERÂNCIA

Na vida intrauterina, na construção da memória protéica ensina-se os macrófagos e linfócitos serem tolerantes com nossas proteínas. As proteínas que entramos em contato depois do nascimento serão estranhas e apelidadas de antígenos. Isto mesmo, não reagimos contra as nossas proteínas porque os macrófagos e linfócitos em nove meses desenvolvem uma tolerância a elas. Quando estas células perdem a tolerância a alguma de nossas proteínas, temos sérios problemas com as doenças autoimunes. 
Temos 4 formas para desencadear a autoimunidade. 
1: Estresse, vícios ou hábitos, medicamentos, raios solares, alimentos e fatores herdados podem alterar a tolerância dos macrófagos e linfócitos que passam a nos atacar no pênfigo, psoríase, lúpus, vitiligo e outras, Se células que produzem insulina no pâncreas passam a ser reconhecidas como estranhas, desenvolve-se o diabete melito
2: Ou podem mudar a estrutura das proteínas do corpo que serão consideradas estranhas como no líquen plano,
3: Autoimunidade cruzada é quando alguma proteína do corpo pode se parecer com a de algum vírus ou bactéria e aí passam a atacar ao descobri-la onde está, como nas aftas e artrites reumatoides, 
4: Certas proteínas do corpo ficam muito bem escondidas do sistema imunológico e se chamam antígenos sequestrados. Se detectarem onde estão, as células imunológicas irão destruí-las como acontece com espermatozoides na caxumba, dentina nas reabsorções e proteínas da tireoide.

Reflexão final

As doenças autoimunes comprometem qualidade e tempo de vida. Para combatê-las pode ser necessário tomarmos medicamentos para diminuir a atividade do sistema imunológico, mas as defesas ficarão diminuídas. E abriremos caminhos para as doenças infecciosas e neoplasias malignas. Se for possível, previna se, não deixemos isto acontecer, respeitemos nossos limites e tenhamos um estilo de vida apropriado. E não se esqueçam, a resposta imunológica trabalha contra as proteínas!