26 de agosto de 2024
ECONOMIA

É preciso regular influenciadores, argumenta sócio de Felipe Neto

Por |
| Tempo de leitura: 6 min
Alex Santana/Divulgação
João Pedro Paes Leme, CEO da Play9, no escritório da empresa no Rio

Se o choque geracional entre os mais velhos e a geração Z (nascida de 1995 a 2010) for um dos seus principais assuntos de debates e fofocas no cafezinho, imagine-se por um segundo no lugar de João Pedro Paes Leme.

O executivo de 55 anos é CEO da Play9, mediatech de conteúdo e influenciadores. Na empresa, 52% dos funcionários são da geração Z, cerca de 40% são millennials (nascidos entre 1980 e 1995) - enquanto os integrantes da geração X (entre 1965 e 1980) e os baby boomers (1946 a 1964) amargam solitários 5%. "Sou uma exceção ali", ri ele, que tem Felipe Neto (mais um millennial) como um dos sócios-fundadores na empreitada, ao lado de Marcus Vinicius Freire (boomer), ex-diretor do COB (Comitê Olímpico do Brasil).

Jornalista, Paes Leme trabalhou por duas décadas na TV Globo, onde chegou a ser diretor-executivo de esportes. Criou a Play9 com os dois sócios há 5 anos e viu a empresa crescer 90% no último biênio - chegando a um faturamento de R$ 146 milhões em 2023.

Pergunta - Pesquisa recente da Youpix com a Nielsen indicou que as marcas estão botando o pé no freio no mercado de influência. Enquanto isso, a Play9 tem a meta de dobrar de faturamento nos próximos dois anos. Nesse cenário, o plano é realista?

João Pedro Paes Leme - Houve uma interpretação enviesada dessa pesquisa. Olhei o levantamento em detalhes, e ele é positivo para o mercado. Algo que gerou um pouco de desconforto foi o fato de algumas marcas preferirem gastar o mesmo valor - ou um pouco mais - com um número menor de influenciadores. À medida em que esse segmento amadurece, há uma pirâmide: no topo, estão os influenciadores, nativos digitais ou não, que emprestam sua credibilidade ou seu histórico [às marcas]. Por outro lado, a mesma pesquisa mostra uma necessidade de capilarização --e isso só se faz com a base dessa pirâmide. Algumas marcas vão preferir negociar com menos influenciadores e outras, que estão no meio do caminho, vão precisar testar mais figuras. Fiz prints da pesquisa. Por sete anos, o marketing de influência tem crescido de relevância nos planos de comunicação: 41% das empresas declaram que influencers são parte central de sua estratégia. Gastava-se 67% com influenciadores em 2017, e em 2024 se gasta 76%.

P - Você tem apontado uma diferença entre os mercados de influência nos EUA e na China. Qual é a particularidade de cada um e qual caminho Brasil deve tomar?

JP - Nosso mercado é mais próximo do americano, que é baseado em conteúdo. No chinês, antes de ser um influenciador, o cara é um vendedor. O brasileiro ainda não começou, mas vai surfar essa onda. Hoje, você vê quem são os bons vendedores: a Virgínia, a Boca Rosa, a Carol Bassi... São normalmente os nichos de moda e beleza. O influenciador [hoje] está gerando conteúdo por conteúdo, algo meio baseado nas narrativas de televisão e cinema. Então, há certa dificuldade em dizer: "Agora, aqui está o seu cupom, R$ 9,90". O brasileiro está percebendo que beber dos dois modelos seria um salto na carreira dele e não uma prostituição do conteúdo. Mas claro que a barreira não vai ser rompida de repente.

P - A Play9 tem comandado a transição para a internet de celebridades da TV, como Fátima Bernardes e Galvão Bueno. Como é o caminho da mídia tradicional às redes?

JP - Chamo essas figuras de intuitivos digitais. É uma geração que quer fazer [um trabalho nas redes], às vezes já começou, mas não sabe direito o que fazer. Às vezes, elas têm milhões de seguidores, que são produto do que elas foram na TV aberta. Essa migração tem um lado fácil, que é se apropriar de figuras públicas que, ao longo do tempo, pensaram na sua credibilidade, na sua imagem, e transpô-las para o digital. E tem o lado difícil, que é mostrar para essas pessoas que a embocadura não é a mesma, o jeito de falar não é o mesmo, o jeito de se comportar diante da câmera é mais solto - e tudo isso é a antítese do que eles aprenderam.

P - Temos visto cada vez mais filmes, documentários e podcasts sobre influencers golpistas. Vem aí uma ressaca dos influenciadores?

JP - Acho que não. O que vem aí é uma necessidade de regulação desse mercado. É uma discussão enorme e muito necessária. Esse mercado precisa de leis e ordem - principalmente com uso abusivo da inteligência artificial. Vi casos de montagens com pessoas sérias, até jornalistas, fazendo propaganda de produtos. O cara pega avatar da pessoa, faz a boca mexer falando outra coisa... Mas, para 80% da população, aquilo parece verdade.

P - Há um debate na sociedade sobre prejuízos das redes à saúde mental. As redes vão virar o novo cigarro?

JP - Não iria tão longe. Se você olhar o que a televisão foi para a minha geração... Meus pais tinham que me tirar da frente da TV, diziam que era uma caixa de fazer maluco. Com o celular e as redes sociais, passamos a viver algo que nunca tinha existido. Vai acontecer naturalmente um fenômeno de educação dos próprios pais. Acho que está na mão deles, muito mais do que uma intervenção por uma lei. As mídias sociais em algum momento são uma dopamina em excesso, me preocupo bastante com isso. Devemos imaginar qual é o tempo saudável de as pessoas passarem diante de um celular. Crianças deveriam ter um limite.

P - Temos ouvido relatos de um choque geracional no mercado de trabalho, especialmente com a geração Z. Como lida com essa geração?

JP - Fizemos um censo da empresa. Sou uma exceção ali: 52% da Play9 é formado pela geração Z, cerca de 40% é millennial e 5% é da geração X ou baby boomer. Percebo coisas muito diferentes nesse convívio. Primeiro, vejo o quanto para a geração Z é melhor estar em home office - o que, para mim, é muito pior. Acho que 85% dos funcionários trabalham remotamente. Em segundo lugar, acho que é uma geração mais frágil do ponto de vista das relações de trabalho. Prego a liderança pelo afeto, e acho que essa geração me ajudou a botar isso em prática. Óbvio que uma hora você quer explodir e, eventualmente, explode, mas aí você vê que não pode ser completamente maluco. É um ambiente de muita criatividade. Permitimos que a empresa seja um embrião de talentos que não são necessariamente o que as pessoas chegaram ali para desempenhar.

RAIO-X

João Pedro Paes Leme, 55 anos, é CEO da Play9, mediatech que fundou em 2019 com o youtuber Felipe Neto e Marcus Vinicius Freire, ex-diretor do Comitê Olímpico do Brasil. Jornalista de formação, Paes Leme começou a carreira no Jornal do Brasil, que depois trocou pela TV Globo, onde trabalhou durante 20 anos. Foi repórter e correspondente, chegando ao posto de diretor-executivo de esportes da emissora.