26 de agosto de 2024
ENTREVISTA DA SEMANA

Cláudia Leonor Oliveira: compromisso em valorizar histórias

Por Tisa Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 5 min
Arquivo pessoal
Cláudia passou a se interessar por museus em uma viagem

A paixão da professora, historiadora e sócia-fundadora do Museu da Pessoa Cláudia Leonor Guedes de Azevedo Oliveira, 58 anos, por história nasceu nas estantes dos avós maternos em Bauru, onde a leitura plantou as primeiras sementes de curiosidade. Aos 15 anos, uma viagem ao Rio de Janeiro despertou seu interesse por museus, levando-a a cursar história na USP, na Capital.

No Museu da Imagem e do Som (MIS), Cláudia mergulhou em um ambiente cultural efervescente, que a conectou com Karen Worcman, fundadora do Museu da Pessoa. Nele, Cláudia teve a oportunidade de conhecer o Brasil de Norte a Sul para documentar memórias de diversas comunidades, transformando vivências pessoais em patrimônio coletivo. Após anos na estrada, em 2010 ela decidiu retornar a Bauru com a filha Isabel, hoje com 16 anos, dividindo a maternidade com novos desafios profissionais.

Mestre em ciências da comunicação, a historiadora é doutoranda na Universidade Lusófona do Porto, de Portugal, e professora na Unisagrado, além de ser membro efetivo da Academia Bauruense de Letras e integrante da Oficina da Palavra da USP Bauru, coordenada pela professora Cecília de Lara. Cláudia aceitou o convite do JC para ser, desta vez, ela a entrevistada e revela, agora, sua própria história.

JC - Como surgiu o interesse por história e cultura?

Cláudia - Na casa dos meus avós maternos, Everaldo e Guilhermina, tinha uma estante com livros e eu lia, minha avó recitava poesias. Meu avô me ensinou francês e tinha uma coleção de livros da história da civilização pela qual eu era encantada e minha avó me deu quando entrei na graduação. E uma viagem com meus pais e irmãos, quando eu tinha 15 anos, para o Rio de Janeiro teve muita influência no que sou hoje. Ficamos 15 dias e fomos ao Museu do Catete, a um espetáculo de ópera no Teatro Municipal, ao Museu Nacional. O último foi o Museu Imperial de Petrópolis, que tinha uma estrutura muito bem organizada. Voltei para Bauru encantada e decidi que queria trabalhar em museu, mas não tinha faculdade para isso aqui. Também gostava muito de dança, fiz aulas de balé com a Yola Guimarães, na Luso, então, fiquei em dúvida, e fui fazer cursos livres de teatro e balé em Campinas.

JC - E qual foi sua decisão?

Cláudia – Como minhas irmãs Márcia e Lúcia moravam em São Paulo, prestei vestibular e fui cursar história da USP. No segundo ano, fui fazer estágio no MIS, onde fiquei de 1991 a 1994. O MIS era o top dos museus do Estado na época e recebia festival de curta-metragem, exposições temporárias, lançamentos de livros, shows de música. Era um clima cultural muito rico. Em um evento lá, conheci a Karen Worcman. A partir de 1992, fizemos algumas parcerias, comecei a participar de entrevistas e me apaixonei por este trabalho. Então, saí do MIS e fui de vez para o Museu da Pessoa. Comecei a trabalhar com memória de organizações e o primeiro grande projeto foi o Memorial do São Paulo Futebol Clube, em 1994.

JC - Quais outras experiências se destacam?

Cláudia - Em 2002, o museu começou a crescer e passei a viajar muito para gravações. Assumi um projeto em Belo Horizonte (MG), da Acesita, sobre aço inoxidável. Depois, em uma parceria com o Canal Futura, fomos de Porto Alegre a São Miguel das Missões, passando por Uruguaiana (RS), fazendo entrevistas para o programa Causos Gaúchos. Em 2005, fui para o Amapá, entrevistar pessoas da comunidade do Iratapuru, que colhem castanha-do-pará para a Natura na Floresta Amazônica. Já pelo projeto Memórias dos Brasileiros, fizemos uma viagem de Porto Alegre até Belo Horizonte e uma rota pelo Rio São Francisco, partindo de Juazeiro (BA). E, durante dois anos, fui mensalmente ao Rio de Janeiro, quando fiz um projeto com a gerência de Recursos Humanos da Vale do Rio Doce. Passei por mais de 15 estados e conheci o País de um jeito diferente de um turista.

JC - Quando decidiu retornar a Bauru?

Cláudia - Fiquei no museu até 2010, momento em que teve sua estrutura enxugada. A Isabel estava com um ano e meio e decidi voltar a Bauru, mas tirei um ano sabático para estudar francês, inglês e pensava em prestar concurso. Em 2012, o museu me chamou para produzir o livro e a exposição de mais uma versão do projeto Memórias do Comércio, que eu fazia desde 1994. Permaneci em Bauru e, quando a Isabel estava com maior autonomia, voltei a viajar pelo museu, como, por exemplo, para um projeto em Porto Velho (RO).

JC - Como foi a maternidade para uma mulher ‘com pé na estrada’?

Cláudia - Foi uma delícia. Se, no trabalho, eu descobri o Brasil, na maternidade, eu descobri o mundo. Engravidei no início de 2008 e fechei este ciclo grande de viagens. A Isabel veio quando eu já estava realizada profissionalmente, tinha feito mestrado. Ela é muito companheira e, com 8 anos, foi comigo para o Porto, em Portugal, porque fui indicada pelo sociólogo Massimo di Felice, professor da ECA/USP que estava dando aula na Universidade Lusófona, para concorrer à bolsa de doutorado lá. Ganhei e fiquei oito meses cursando as disciplinas. Foi uma delícia, porque não tinha a barreira da língua, fiz amizades e muitos passeios com minha filha. O Massimo é meu orientador junto com a Lurdes Macedo.

JC - Em que está trabalhando agora?

Cláudia – Quando voltei de Portugal, me envolvi em outros projetos, como uma edição do Memórias do Comércio que incluiu Bauru. E, há dois anos, a convite do professor Roger Gomes, dou aulas na Unisagrado, uma experiência nova que estou adorando. Sigo fazendo trabalhos esporádicos para o Museu da Pessoa, onde sou conselheira e, nos próximos 15 dias, concluo meu doutorado sobre as memórias do museu. Meu objetivo é detectar se, no processo de gravação das entrevistas, usando a metodologia da história oral de vida, há ou não o empoderamento das pessoas que fazem parte das minorias sociais e mensurar o quanto elas foram transformadas ao disponibilizarem suas histórias de vida na plataforma do museu.

O que diz a historiadora:

‘Passei por mais de 15 estados e conheci o País de um jeito diferente de um turista’

‘Se, no trabalho, eu descobri o Brasil, na maternidade, eu descobri o mundo’

‘Meu objetivo é mensurar o quanto essas pessoas foram transformadas ao disponibilizarem suas histórias na plataforma do museu’