02 de agosto de 2024
BAURU - 128 ANOS

Jornalista Luciano Dias Pires, um guardião da história bauruense

Por André Fleury Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 6 min
André Fleury Moraes
Luciano Dias Pires após entrevista ao JC em sua residência com máquinas fotográficas antigas

Ele ainda era jovem quando deu os primeiros passos para trabalhar na imprensa. Não demoraria para que a profissão se revelasse uma virtude de Luciano Dias Pires, considerado o guardião da história de Bauru. Para ele, o jornalismo nunca foi problema, mas a solução.

Editor do Bauru Ilustrado, suplemento do JC que circulou da década de 1970 até 2020, ele sempre contou a história do município que o acolheu. Agora, aos 97 anos, concordou em contar sua própria trajetória.

Nascido em Botucatu e filho de jornalista - seu pai tinha ainda uma gráfica -, Dias Pires se mudou para Bauru aos dois anos. Estudou no grupo escolar Rodrigues de Abreu e depois no Guedes de Azevedo. Começou a trabalhar aos 15 anos num armazém de secos e molhados - mas ele não gostou à primeira vista.

"Garrafas de vidro valiam bastante naquela época. E no primeiro dia de serviço me mandaram buscar várias delas na rua Sete de Setembro", conta. "Eram muitas. Eu, muito magro, tinha de parar para descansar a cada passo", complementa. Pensou já no primeiro dia que não duraria muito naquele emprego.

O estopim aconteceu ao segundo dia, quando o patrão mandou Dias Pires subir uma escada e lavar janelas ao topo do imóvel. Até que passou um colega com quem estudou. "Você vai se formar no ginásio para limpar vidro?", indagou o estudante, segundo Luciano. Pediu a conta.

Conseguiu em seguida emprego nas Casas Pernambucanas, àquela altura recém-inaugurada em Bauru. Era 1943. A primeira Pernambucanas em Bauru, na rua Batista de Carvalho, foi inaugurada em 1916. "Devo ser o funcionário mais antigo ainda vivo da empresa", lembra.

Por ali exerceu funções administrativas: resolvia questões de escritório e caixas. Ele sabia, de qualquer forma, que seu lugar não era bem ali. Até porque eram três os bons empregos na cidade - o Banco do Brasil, o Banco do Estado (Banespa) e a Noroeste do Brasil (NOB).

Iria para este último, mas não sem antes passar por um dos cartórios à época existentes em Bauru, onde aprendeu a manusear máquina de escrever e se tornou, nas palavras do próprio Dias Pires, "um exímio datilógrafo".

Foi quando a NOB abriu concurso público. Luciano prestou, passou e foi nomeado. A Noroeste era seu "emprego de luxo", mas os olhares do recém-egresso funcionário público se voltavam para o rádio. Queria mesmo é ser locutor esportivo.

Em Bauru já via que não haveria a menor chance. Não ao menos na Bauru Rádio Clube, da família Simonetti, porque o filho do proprietário já exercia essa função. Como era a única emissora da cidade, precisaria buscar vaga em outro município.

À primeira vista pensou em São Paulo, onde tinha parentes atuando na Rádio Tupi de Assis Chateaubriand e na Bandeirantes, àquela altura já nas mãos da família Saad - ainda hoje mantenedora do grupo Band.

Conseguiu um horário para realizar um teste em uma das rádios paulistanas. Foi um balde de água fria: elogiaram a voz grave de Dias Pires, mas o mandaram voltar dali a seis meses. "Não dá", pensou. "Cheguei em casa e havia duas cartas de minha mãe sobre a mesa", lembra.

E eram duas excelentes notícias. A primeira é que Luciano estava sendo chamado após ser aprovado num concurso interno da Noroeste. Subiria para o cargo de oficial administrativo, pelo qual receberia salário bem maior.

Mais do que isso, soube também que fora contemplado num programa do funcionalismo para construir sua casa própria. Já não tinha porque se aventurar: acabava de ver garantidas a estabilidade funcional e uma moradia para chamar de sua.

"Era um ótimo emprego porque havia tempo para fazer muita coisa. Entrava às 11h e saía às 17h. Conseguia jogar tênis pela manhã e à tarde, depois do serviço, ia Batistar", relata.

Neste período, Dias Pires atuava também como diretor de propaganda do Estádio do Noroeste, que mantinha estreito vínculo com a ferrovia, e obteve reconhecimento já no início, quando instalou um sistema de som no local.

Noroestino apaixonado, certo dia ele viajou a Garça para acompanhar um jogo do rubro-negro. "Você que é o repórter que ficaram de enviar para cá?", indagou um funcionário responsável pela imprensa naquela partida. "Não, não. Sou torcedor", respondeu Dias Pires.

O jovem não demorou a perceber que nenhum jornalista chegaria ao estádio para relatar a partida. Decidiu ele mesmo fazê-lo. Entrevistou presidente dos clubes - tanto de Bauru como do adversário Garça -, jogadores e comissão técnica.

Escreveu a matéria, entregou a um colega e veio a surpresa: no dia seguinte todos os jornais de Bauru estamparam a reportagem assinada pelo jovem Luciano Dias Pires. Foi a faísca que acenderia - e ascenderia - a carreira do jovem funcionário da NOB.

A experiência em rádio, no entanto, ainda estava entre as vontades do jovem funcionário da Noroeste. E surgiu uma vaga na emissora dos Simonetti para o período noturno. Prontamente topou. Fez o teste, do qual saiu contratado, e se tornou locutor.

Ao mesmo tempo o Diário de Bauru também estava à procura de um repórter para o período da manhã e apostou em Luciano - que passou a ter três empregos, embora ele mesmo não classifique assim. "Meu trabalho de verdade era na Noroeste. O restante eram bicos", conta.

Nos microfones da rádio, porém, é que Dias Pires inovou pela primeira vez. Inspirado pelo jornal falado da paulistana Tupi, criou programa homônimo na Bauru Rádio Clube e o sucesso foi consequência natural da iniciativa. A única condição para o programa era alugar o horário de sua transmissão - o que era possível graças ao bom retorno publicitário que obtinha.

'Diário de S. Paulo' foi o primeiro a registrar Dias Pires como jornalista

Se em Bauru o jovem locutor fazia tremendo sucesso, com horário no rádio durante a noite e escritos publicados pelo Diário de Bauru, o primeiro registro de Luciano Dias Pires como jornalista profissional partiu do Diário de S. Paulo - na época de Assis Chateaubriand, o maior barão da imprensa nacional -, do qual era correspondente em Bauru.

"Comecei a me dedicar ao extremo", conta, "mas sem largar a Noroeste, o 'empregão' que eu tinha", acrescenta.

Quando da explosão da Nações Unidas, por exemplo, ele foi um dos únicos a fotografar o acidente. O caso criou até teorias de que fora intencional - o então presidente Geisel estava em Bauru no mesmo dia -, mas o problema foi causado por vazamento de combustível que entrou nas canaletas da avenida.

"Telefonei para o Expresso de Prata e perguntei a que horas sairia o próximo ônibus para São Paulo. Precisava entregar os filmes [para serem revelados] e enviá-los a São Paulo", lembra. Entregou os negativos na rodovia porque não havia tempo de se dirigir até o terminal rodoviário. No dia seguinte a foto foi estampada na primeira página do Diário.

A carreira na imprensa já lhe rendia frutos e coube à Noroeste do Brasil indicá-lo a comandar o recém-criado departamento de Relações Públicas da instituição. Ali ele faria história - ou uma delas.

O departamento começou como piada. Dias Pires lembra que funcionários mais antigos caçoavam do setor - "olha lá o relações públicas", diziam, como lembra Luciano.

Por pouco tempo, porém. Não demoraria para que as primeiras grandes reportagens, todas elaboradas "pelo relações públicas", ganhassem destaque na imprensa nacional.

Uma delas retratava o paraíso pelo qual andava o trem no percurso entre Bauru e a Bolívia - que ganhou páginas e páginas de uma revista curitibana. Outra, por sua vez, envolvia um novo investimento no ramal de Bauru da Noroeste. Estampou as manchetes dos jornais locais.