27 de julho de 2024
OPINIÃO

Os quintais

Por Claudia Zogheib |
| Tempo de leitura: 2 min
A autora é psicanalista, especialista pela USP – Departamento de Psicologia; Psicóloga Clínica, formada pela USC, responsável pelas páginas Cinema e Arte no Divã e Auguri Humanamente

Para defender o silêncio certamente não é necessário falar tanto. Em zonas de sombras e de luz as famílias se constroem, e na troca entre indivíduos cada um vai se mostrando, revelando seus traumas, dinâmica, constituição, sua disponibilidade interna para estar presente nas experiências.

Enquanto criança, aquele quintal cheio de histórias nos conta aquilo que nem ousamos perguntar, mas se concretizam na própria magia revelando costumes de nossos antepassados, como nos movemos diante destas experiências, e o que ficará em nós depois que as cortinas se fecharem.

Na infância, moldamos tantas coisas as vezes "achando" que irão se perpetuar somente o que decidirmos, um grande equívoco visto que esquecemos de agregar as experiências que ficaram distribuídas em cenas corriqueiras, transeuntes e sem conversas.

Vivemos, e à medida que crescemos nos damos conta do quanto tudo o que foi vivido permaneceu em nós marcando ausências e presenças.

Os quintais da infância são quase sempre sinônimo da presença dos avós, suas memórias, a nossa própria história. Lá viveram príncipes, princesas, caçadores, cozinheiras, dançarinos, heróis, heroínas, ensaios chamados "faz de conta".

Árvores plantadas, café no bule, lanche dia de semana. Os incrementos pueris revelam a singularidade de cada família que se sustentam tentando dar o seu melhor, cheio de acertos e erros.

Nada tem mais identidade familiar do que a mistura de plantas nos vasos da casa dos avós, o cheiro de limão cravo, a jabuticabeira, o cajueiro, a mangueira, a parreira de uva, o bolinho de chuva, o pastel, o arroz com abobrinha, almoço de domingo.

Passa muito rápido, mas ter vivido uma infância no interior ou num bairro da capital é o que fica dentro e que nunca sai porque foram nestas histórias, sendo elas tristes ou felizes, que impregnamos a própria continuidade.

Para criar memórias, estas ricas experiências acabam nos mostrando um pouco de nós mesmos: quem somos, de onde viemos e para onde iremos depois que tudo isto acabar, porque com o tempo, o que sobra são somente lembranças e bibelôs.

A casa dos avós são armazenamentos de ricas e icônicas lembranças, um pouco de nós mesmos e que estiveram desde o início nos mostrando um condensado de tudo, misturas que tornam quase impossível digerir tudo de uma vez só, mas que a partir destas ricas lembranças ecoam quem somos, onde estamos, quais os segredos e o porquê das coisas.

Com o tempo, mesmo entendendo as diferenças, saber de onde viemos é o que permanece e o que será capaz de reconstruir em nós uma linha do tempo, e na memória da casa dos avós, bisavós, ressoam nossas melhores lembranças.

São aqueles silêncios que mais falaram em nós e que impregnaram em nosso DNA os costumes, a hereditariedade, histórias de imigrações, enculturação, mesa posta, culinária, quintais da casa dos avós.

Se estes quintais falassem, falariam de todos nós. Aos meus avós e bisavós com carinho: Domenic, Cyro, Auta, Orminda, Antônio, Rosa, Alcides, Oscar, Rita, Maria Rosa, Newtonina, Samuel.

Música "Encontros e Despedidas" com Maria Rita.