25 de julho de 2024
DROGAS

Cocaína em tubarões no Brasil é risco para espécies já ameaçadas

Por Reinaldo José Lopes | da Folhapress
| Tempo de leitura: 3 min
Divulgação/Fiocruz
Não se pode descartar a possibilidade de problemas também para quem consome a carne do animal

A detecção de níveis expressivos de cocaína no organismo de pequenos tubarões da costa do Rio de Janeiro mostra como substâncias usadas com frequência pela população humana estão sendo absorvidas cada vez mais pela fauna aquática.

Embora os efeitos desse tipo de poluição sobre os peixes ainda não sejam bem conhecidos, trata-se de um novo risco para espécies já muito ameaçadas por outros fatores. Além disso, não se pode descartar a possibilidade de problemas também para quem consome a carne do animal, comercializado como o popular cação.

A pesquisa que revelou a presença da droga no tubarão-bico-fino-brasileiro (Rhizoprionodon lalandii), também conhecido como cação-frango, foi feita por especialistas do Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental do IOC (Instituto Oswaldo Cruz).

"No Brasil, estudos já detectaram a contaminação de água e alguns poucos organismos aquáticos, como mexilhões, por cocaína. Nossa análise é a primeira a encontrar a substância em tubarões", declarou em comunicado o farmacêutico Enrico Mendes Saggioro, do IOC.

Junto com a bióloga Rachel Ann Hauser-Davis, ele é um dos coordenadores da pesquisa publicada recentemente na revista especializada Science of the Total Environment.

A equipe obteve 13 tubarões da espécie, que mede 80 cm na fase adulta, com pescadores artesanais da região do Recreio dos Bandeirantes (zona oeste do Rio).

A maioria dos animais era do sexo feminino, e cinco das fêmeas estavam grávidas, enquanto todos os machos eram juvenis. São animais costeiros e que não migram, o que indica um contato mais intenso deles com as áreas sob maior influência das atividades humanas.

Na análise, os pesquisadores identificaram tanto a cocaína propriamente dita quanto a benzoilecgonia, molécula que é resultado da transformação metabólica da droga no organismo. Ambas foram identificadas tanto no fígado quanto nos músculos dos cações.

Segundo os autores do estudo, a presença de uma concentração mais alta da droga no tecido muscular dos peixes foi surpreendente -o esperado seria que o fígado trouxesse mais indícios da contaminação, já que o órgão metaboliza o que entra no organismo para depois excretar as sobras.

A concentração no músculo, portanto, poderia indicar uma quantidade relativamente grande da substância no ambiente dos animais, que estariam se contaminando de diversas formas.

Em ordem decrescente de probabilidade, há três hipóteses que poderiam explicar a presença de cocaína no organismo dos tubarões. O mais provável é que o esgoto não tratado, com dejetos humanos, esteja carregando a droga para a água.

"Já temos estudos mostrando a presença de hormônios femininos oriundos de anticoncepcionais e componentes de antidepressivos em diferentes corpos d'água", diz a bióloga marinha Amanda Alves Gomes, doutora pelo Instituto Oceanográfico da USP e cocriadora do canal de divulgação científica Zoomundo.

Por outro lado, laboratórios clandestinos de refino da droga poderiam descartar efluentes na rede de esgoto ou, com probabilidade muito mais baixa, traficantes poderiam jogar pacotes da droga propriamente dita no mar.

"A gente ainda não tem como saber dos impactos sobre os tubarões, até porque é a primeira vez que essa detecção acontece. A grande preocupação é que isso afeta o sistema reprodutivo, como acontece no caso de determinados poluentes", explica Gomes.

"Ao contrário dos peixes ósseos, os tubarões não geram muitos filhotes, e isso prejudicaria ainda mais a conservação deles -hoje, eles são o grupo de vertebrados mais ameaçado do planeta, com um terço correndo risco de extinção."

Outro fator de preocupação é o fato de os tubarões serem bioacumuladores. Isso significa que, por normalmente serem predadores do topo da cadeia alimentar, seu organismo tende a acumular os poluentes presentes no corpo dos animais que predam, os quais, por sua vez, também já tinham se alimentado de outros animais de menor porte.

Desse modo, o consumo de cação por seres humanos incluiria um novo risco. "Gestantes e crianças pequenas já não devem consumir cação por causa da bioacumulação de outros poluentes, como mercúrio e demais metais pesados. É algo que deveria ser considerado como mais seriedade no Brasil", diz ela.