16 de julho de 2024
OPINIÃO

O mito da Melhor Idade

Por Roberto Magalhães |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é professor de redação e autor de obras didáticas e ficcionais

Há um tempo na vida com o qual poucos sabem lidar. Envelhecer, embora sejam tantas as homenagens à melhor idade, não é fácil, não. Ninguém gosta de ser velho, nem os ainda quase moços. Bom seria se houvesse um relógio de ponteiros rebeldes que andassem para trás. Apesar dos pesares, alguns chegam à longevidade, presenteados pela bondade do destino. Esse mesmo destino que de outros se esquece, sentenciando-lhes dolorida e inexplicável brevidade.

Às vezes, os olhos de um velho se encontram com os de um jovem. Esse momento mexe fundo com ambos, ainda que de modo diametralmente oposto. Ah, que que saudades desse tempo da cara bonita, pensa o velho, do corpo formoso e elástico, dos namoricos inocentes, das paixões delirantes, dos sonhos tantos e dos muitos projetos que a longa estrada prometia sorrindo realizá-los.

Que medo eu tenho da velhice, pensa o jovem, tempo que, embora distante, um dia vai me chegar. Tempo feio que enfeia a cara, curva o corpo, fragiliza os músculos, precariza a saúde, e nos deixa sem projetos com a estrada chegando ao fim. Não por outra razão, todos querem viver intensamente o agora.

Não é esse, contudo, o assunto dessa crônica. Tema assim banalizado já não traz novidade. É preciso ir um pouco mais a fundo. É triste saber como alguns familiares tratam os seus velhos. Primeiro por não compreendê-los. Depois, por grave miopia que lhes desfoca a visão do que seja a vida.

Está na hora de dormir. Cerveja, já falei, uma vez por semana. Estou cansado de avisar para não subir a escada. O portão está trancado e a chave escondida, nem pense em sair. Quantas vezes vou ter que repetir a mesma coisa, você é surdo, não escuta! Para de reclamar, amanhã levo o senhor à força ao médico. Eu já lhe disse um milhão de vezes que a senhora não precisa fazer nada, isso é serviço da empregada. São palavras más nascidas de um amor equivocado. Há sadismo em certos tipos de proteção. O amor ao velho não pode se transformar numa lista de opressão repetida exaustivamente para deixar bem claro quem é que manda. Cuidar dos velhos como se fossem crianças é perverso por feri-los ainda mais do que a vida já o fez. A melhor intenção do mundo é a pior quando retira vida de quem vida ainda pode ter. Quando o sentido de proteção vira prisão. Quando a tranquilidade dos filhos só é alcançada com o sofrimento emudecido dos pais.

Será que esses familiares impõem a si próprios o mesmo rigor no que comem e bebem diariamente? Será que assim se comportam nos eventos sociais? Certamente, eles sabem que, sem as pequenas imprudências, fica difícil dar aquele temperinho gostoso à vida. Juízo e regulação excessivos lembram os rigores da vida monástica.

Conforta-nos saber que nem todos agem assim. Que há amor e gratidão no modo como o velho é tratado em muitas famílias. Nelas, a linguagem do amor não é conjugada no imperativo. O verbo amoroso não manda, abraça; não isola, acolhe; não machuca, acaricia. Bênção maior é aquela que torna os dias dos nossos velhos queridos mais leves e, até mesmo, mais felizes. Por que não?