28 de setembro de 2024
COLUNISTA

O sexo e o casamento na ética protestante

Por Hugo Evandro Silveira |
| Tempo de leitura: 4 min
Pastor Titular - Igreja Batista do Estoril

Durante a semana em que celebramos o amor dos casais, convém refletirmos sobre sexo e casamento. Na perspectiva protestante, todos são incentivados a se casar, e os cônjuges são chamados a desfrutar do amor sexual, respeitando e valorizando a graça presente no parceiro.

Na Idade Média, prevalecia a concepção de que o amor sexual era intrinsecamente negativo, mesmo dentro do casamento. Tertuliano e Ambrósio, em geral, preferiam preservar a pureza ética da humanidade em vez de promover sua propagação através do intercurso sexual. O influente Agostinho de Hipona considerava o ato sexual dentro do matrimônio como inocente, mas via a paixão como pecaminosa, elogiando os cônjuges que se abstinham do sexo. Gregório, o Grande, concordava, afirmando que quando marido e mulher se envolviam sexualmente por prazer e não pela procriação, esse prazer maculava o ato. Figuras proeminentes da Idade Média, como Alberto Magno e Tomás de Aquino, se opunham ao ato sexual, acreditando que ele submetia a razão às paixões. Orígenes interpretou literalmente o comentário de Jesus no Evangelho de Mateus (19:12) e se castrou. Esses aspectos são amplamente documentados em pesquisas sobre o tema. A rejeição ao sexo nesse período levou à exaltação da virgindade e do celibato. Jerônimo louvava cônjuges que permaneciam virgens. A maioria dos mestres e pais da Igreja considerava a virgindade superior à relação sexual, mesmo dentro do casamento, resultando na depreciação do matrimônio e na rejeição do sexo.

Essa perspectiva histórica contrasta fortemente com a visão protestante contemporânea, que celebra o casamento como uma união onde o amor sexual é uma expressão legítima e valorizada do compromisso e do respeito mútuo entre os cônjuges. Isso nos convida a refletir sobre como nossas concepções sobre amor e sexualidade no casamento podem evoluir e se enriquecer ao longo do tempo.

Os cristãos protestantes desafiaram a mentalidade dominante da Idade Média e passaram a valorizar o casamento e a sexualidade de uma nova maneira. William Tyndale, um proeminente pastor protestante e estudioso inglês do século XV, graduado em Artes pelas universidades de Oxford e Cambridge, argumentou que os líderes religiosos deveriam ter a liberdade de se casar. Ele fundamentou sua defesa nas palavras do apóstolo Paulo na primeira carta a Timóteo (3.2), que diz que "o bispo deve ser esposo de uma só mulher" e no versículo de Gênesis (2:18), que declara: "não é bom que o homem esteja só". No final do século XVI, ocorreu uma significativa mudança cultural no entendimento do sexo e do casamento. O ideal romântico emergiu, substituindo o conceito predominante da Idade Média. O renomado autor irlandês C. S. Lewis argumentou que "a transformação do amor cortesão em amor monogâmico romântico foi [...] uma obra dos poetas ingleses de linha Reformada". Esse fenômeno refletiu uma mudança mais ampla na visão moderna, influenciada pelo protestantismo, que enfatizou a legitimidade e a importância da sexualidade dentro do casamento. Os reformadores, como João Calvino, defenderam que o casamento e a sexualidade dentro dele são não apenas legítimos, mas devem ser vividos com alegria e amor romântico.

A perspectiva Reformada rejeitou o ascetismo e qualquer distinção rígida entre o sagrado e o secular. A própria Bíblia, através das palavras do rei Salomão, endossa o prazer sexual no contexto do matrimônio, e os ensinamentos de Jesus não impõem restrições ao contato físico mútuo, desde que ocorra dentro do casamento. É importante lembrar que o sexo é um desejo natural e biológico implantado por Deus, tão natural quanto o apetite por comida. Como tal, ele transcende o simples ato físico, representando uma união completa que envolve mente, emoções, espírito e alma, além dos corpos físicos. Dentro do casamento, o sexo é essencial para uma relação responsável e promissora, devendo ser vivido com alegria e profunda dedicação. O matrimônio é visto como o meio ordenado por Deus para satisfazer os impulsos sexuais, com o dever mútuo de não negar o sexo ao cônjuge.

Por fim, o amor entre marido e mulher deve ser o mais carinhoso, íntimo, precioso e completo possível. Nada além do amor a Deus está acima desse amor, que é único em sua natureza. O amor conjugal é a base da família, e o sexo é a forma mais profunda de expressar o amor como eterno namorados. Portanto, um casal consciente desses princípios fundamentais deve praticar a gentileza, paciência, tolerância, perdão e esquecimento das ofensas, reconhecendo o sexo conjugal como algo não apenas necessário, mas também sagrado para o ideal do matrimônio. Viva os eternos namorados!