16 de julho de 2024
OPINIÃO

A violência fala do que o coração está vazio

Por Ângela Moraes |
| Tempo de leitura: 3 min
A autora é jornalista, especialista em Comunicação Corporativa e palestrante organizacional de Comunicação Não Violenta - membro da Global Rising NVC – Center of Non Violent Communication

Em um dos meus treinamentos de Comunicação Não Violenta que realizo em empresas, um aluno colocou seu dilema pessoal, uma vez que sempre atuamos como o indivíduo integral, e narrou que não conseguia digerir o que ouvira da esposa naquela semana:

- Se você tiver que trabalhar, eu vou sozinha então - referindo-se a um evento social. Segundo ele, o tom de voz dela denunciava certo desânimo. Ela estava 'desistindo' dele - interpretou.

Aquilo caiu em sua alma como uma bomba! Ela não estava sendo nada razoável! Afinal, ele trabalhava muito para o bem da família; ele aguentava um chefe exigente e inescrupuloso todos os dias; suportava jornadas longas e exaustivas; e ao chegar em casa, o que recebia da esposa era, no mínimo, falta de consideração! - expressou.

Marshall Ronsenberg, psicólogo americano e autor do livro Comunicação Não Violenta (CNV), lança um verdadeiro farol para entendimento da violência expressa ou velada contra o outro e contra nós mesmos. Segundo Rosenberg, violência é tudo o que gera medo, vergonha ou culpa - e meu aluno acabara de expressar naquele momento estes três monstros da alma que passaram a habitar seus pensamentos e sentimentos a partir da fala da esposa. Sentia-se violentado.

Entendi que seria importante desmembrar o emaranhado de sentimentos para que ele tivesse clareza de cada um, utilizando de uma técnica de empatia da Metodologia CNV:

- Você se sente no limite, esgotado? - Com certeza! Eu estou fazendo o maior esforço pra sair da cama de manhã! - Você gostaria que sua esposa entendesse como se sente? - Sim...

- Você já disse a ela como se sente? - Ah... mais ou menos... dei uns gritos... 'estou cansaaaado'... - Quando ela fala que gostaria de ir ao evento social, você entende que é falta de consideração em relação ao seu cansaço? - De certa forma senti como uma cobrança. - Você se sente culpado por não estar com disposição e energia para estar com ela em um evento que ela gostaria de ir? - Sim... - e neste momento ele abriu os olhos redondamente e me perguntou diretamente: - É tudo sobre mim então?

A Comunicação Não Violenta explica que absolutamente todas as nossas interações com o mundo passam por um filtro interno poderoso e universal: o de nossas necessidades como segurança, descanso, amor, alimentação, paz, estabilidade.

Se temos nossas necessidades atendidas, nos sentimos felizes, plenos, tranquilos, confiantes. E se temos necessidades não atendidas, elas gritarão violentamente na forma de ressentimento, raiva, indignação, tristeza, desmotivação.

O aluno entendeu que a violência estava dentro dele - e que só cabia a ele encontrar formas de atender às suas necessidades de descanso, autorrespeito e motivação - ainda que fosse necessário buscar outro emprego ou empreender a difícil tarefa de estabelecer limites saudáveis entre trabalho e família.

Entendeu também que, quando conseguisse atender a estas necessidades e seu coração estivesse mais leve e em equilíbrio, poderia ouvir a mesma fala da esposa novamente: "Se você tiver que trabalhar, eu vou sozinha então" e seu primeiro pensamento não seria mais sobre o que lhe faltava, e sim: - Você tem se sentido sozinha e entediada?