16 de julho de 2024
OPINIÃO

Mais Machado de Assis e menos estupidez

Por Luiz Malavolta |
| Tempo de leitura: 3 min
O autor é jornalista em São Paulo

São raros os brasileiros que sabem hoje quem foi Arthur de Gobineau, um aristocrata francês, escritor, diplomata e antropólogo, que desembarcou no Rio em 1869 e decretou que éramos uma raça inferior, pois deste solo da mãe gentil nada de bom sairia dos seus filhos.

Claro, Gobineau era um racista, cujas ideias, baseadas numa teoria da "democracia racial", iria ao longo do século 20 inspirar o partido nazista e os defensores da pura raça ariana, com consequências funestas.

Nelson Rodrigues, o escritor e dramaturgo, se considerava um reacionário, porque apoiava a ditadura militar e era amigo do general Médici, mas nunca foi considerado racista ou defensor de Gobineau.

Ao contrário, ele criticava que, por costume, o brasileiro se desconsiderava, acreditando ser inferior aos europeus e norte-americanos.

Assim, já famoso por suas peças e livros, Nelson decretou que os brasileiros padeciam de uma "síndrome de vira-latas", um sentimento de inferioridade e desvalorização típico da natureza nacional.

Nelson Rodrigues escreveu isso numa crônica em que relatava o trauma do brasileiro com a derrota da Seleção Nacional pelo Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950, no Maracanã.

Com o tempo, ele concluiu que a "síndrome de vira-latas" poderia ser aplicada em qualquer área da vida nacional, para nos situar em posição de nação inferior em relação ao primeiro mundo.

Nos anos 1970, diante de implacável perseguição da censura dos governos militares à imprensa e à cultura em geral, muitos artistas brasileiros ou deixaram de criar ou usaram pseudônimos para se manterem no ofício.

Na música, por exemplo, cantores passaram a gravar canções em inglês, compostas por autores nacionais, todos usando nomes estrangeiros, uma aberração.

Pois bem, nesta semana nas redes sociais viralizou - para usar aqui uma palavra da moda nesta era de mídias digitais - um vídeo da influenciadora norte-americana Courtney Henning Novak, que integra um grupo internacional de leitores de livros de todo o mundo, que, depois, discutem em videoconferência a qualidade e o conteúdo das obras selecionadas.

Entusiasmada, Courtney disse que estava lendo "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis. Ela comprou um exemplar da edição em inglês da magistral obra machadiana.

A tradução foi feita pela norte-americana Flora Thompson-DeVeax, que vive há alguns anos no Brasil e a ofereceu para a editora Penguin. Flora trabalha hoje no Rio num podcast chamado Rádio Novelo, onde narra em português, incrivelmente sem qualquer sotaque, histórias que dificilmente se tornariam reportagens em jornais, mas são prato cheio para esse novo tipo de produto jornalístico-cultural digital.

Até o momento que escrevo aqui, quase um milhão de pessoas, em todo o mundo, assistiu a entusiástica avaliação da obra de Machado de Assis por Courtney.

"Por que não me avisaram antes que este é o melhor livro já escrito? O que vou fazer do resto da minha vida depois que terminá-lo?" - pergunta ela no vídeo. Melhor do que transcrever aqui o que Courtney falou sobre "Memórias Póstumas", é ouvir e sentir seu entusiasmo, clicando neste link que tem já legendas em português: https://www.instagram.com/reel/C7J847uLscT/?igsh=MXVvbnUxZzhjOHphdA==

Pouco li de Machado no colégio. Só fui conhecer mesmo as obras dele na universidade, mas por empenho pessoal. Muito diferente do que ocorre na Rússia, onde Gogol, Dostoiévski, Tolstói, Tchekhov e Pushkin são lidos, estudados e idolatrados em toda rede de ensino.

Eles são considerados heróis nacionais. Seus livros são periodicamente adaptados para o cinema e o teatro russos. Além disso, há concursos que estimulam a leitura e o estudo dos clássicos.

Aqui, são outros quinhentos. A reforma do ensino médio, que virou uma obra de ficção da pior qualidade, criou os chamados "itinerários formativos", trocando-se disciplinas fundamentais por aulas de empreendedorismo e aulas sobre como fazer brigadeiros.

O atual governo ainda não sabe o que fazer com essa trolha herdada do governo Temer.

Era preferível se usar o tempo dos itinerários para estudar Machado de Assis, pois só assim o Brasil ficaria menos estúpido do que tem se tornado ultimamente.