18 de dezembro de 2025
ENTREVISTA

Entrevista da Semana com Marcio Luiz Augusto, no universo da arbitragem

Por Tisa Moraes | da Redação
| Tempo de leitura: 5 min
Guilherme Matos
Marcio Augusto ainda trabalhou na linha do trem como ferroviário

Na linha da decisão

Dos 54 anos que Marcio Luiz Augusto já viveu, quase dois terços foram dedicados ao futebol, mais especificamente ao universo da arbitragem. Nascido em Bauru, tornou-se ferroviário, pela Fepasa, ainda adolescente, mas a paixão pelo esporte nunca foi abandonada.

Enquanto não estava fazendo manutenção das locomotivas, jogava no futebol amador juvenil, até surgir a oportunidade de fazer um curso de arbitragem, em São Paulo. Desde então, foram 23 anos de trabalho como árbitro assistente, 16 deles na primeira divisão. Atuando nos campeonatos Brasileiro e Paulista, viajou por todo o País e conheceu estrelas como Ronaldinho Gaúcho, Rogério Ceni e Marcos, goleiro do Palmeiras.

Formado em educação física, mesmo após a aposentadoria dos campos, Marcio continuou mergulhado no mundo da bola e, há dez anos, é analista de arbitragem da Federação Paulista de Futebol e assessor de arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), ajudando árbitros e assistentes a aperfeiçoarem seu trabalho e descobrindo novos talentos na área.

Nesta entrevista, ele relembra momentos marcantes de sua trajetória, fala sobre seu trabalho também como árbitro de futsal, revela como busca, em um projeto social, orientar crianças e jovens de periferia por meio do esporte e conta como tem conseguido, mesmo ainda em meio a muito trabalho, dedicar mais tempo à esposa, Erika, e às filhas Helena, 22 anos, e Júlia, 18 anos. Leia, abaixo, os principais trechos.

JC - Antes de ser assistente de arbitragem, teve outra profissão?

Marcio - Assim como meu avô e meu pai, fui ferroviário. Fiz Senai e, aos 15 anos, fui contratado para fazer manutenção de locomotivas na estação de Triagem Paulista, da Fepasa, no Jardim Guadalajara, onde fiquei por 23 anos. E sempre gostei de futebol. Jogava como lateral no futebol amador juvenil, no (Grêmio Recreativo Esportivo) Triagem, mas quase tive uma ruptura no tendão. Um dia, um amigo da ferrovia falou que iria fazer um curso de árbitro da Federação Paulista, em São Paulo, e fui com ele, em 1991. Toda sexta-feira, íamos de caminhão buscar material para as locomotivas na Capital e aproveitávamos para fazer o curso.

JC - E como começou na profissão?

Marcio - Para pagar o curso, comecei nas categorias de base do futebol amador de Bauru. Meses depois, já estava nas categorias de base da segunda divisão, na Federação. Após um jogo em Ilha Solteira, em que anulei um gol no último minuto, saí do campo pressionado e o diretor do time mandou uma fita VHS para reclamar com a Federação, que concluiu que o jogador estava em posição de impedimento na hora do gol. Isso me ajudou a subir na carreira. Em 1998, fiz minha estreia na série A do Campeonato Paulista e, em 1999, no Brasileiro. Fiz muitos clássicos, como Flamengo e Fluminense, São Paulo e Palmeiras, Corinthians, Santos. Viajei para muitos lugares. Fui assistente por 23 anos e parei em 2014, porque, na época, só podia até os 45 anos.

JC - Chegou a ser hostilizado pela torcida, jogadores ou equipe técnica?

Marcio - Acontece, até porque estamos mais próximos da torcida. Era uma época em que os regulamentos não traziam punições tão severas como hoje, como jogos fora do estádio do clube ou sem torcida. Mas nunca sofri agressão ou ameaça, só aquela pressão quando o time perde e a gente precisa ser escoltada pela polícia para chegar ao vestiário. Não deveria ser normal, mas a gente acostuma.

JC - Como lidou com o momento em que precisou se aposentar?

Marcio - Comecei a me preparar antes de chegar esse momento e fui estudar, avaliar árbitros. E, há dez anos, sou analista de arbitragem da Federação e assessor de arbitragem da CBF. Assisto a jogos das séries A e B em casa e envio relatórios, com clipes da partida, sobre o que o árbitro fez certo e o que pode ser melhorado. A diferença é que, na CBF, faço a reunião devolutiva online com os árbitros. Também avalio árbitros em jogos de categorias de base, presencialmente ou pela Internet, e envio relatórios sobre o desempenho e se eles têm condições de evoluir e subir ao adulto.

JC - Mesmo aposentado, continua trabalhando bastante, então?

Marcio - Sim. Em dezembro de 2022, fui convidado pela Federação para passar minha experiência aos assistentes nas pré-temporadas, em várias divisões. De 1995 a 2017, também fui árbitro de futsal, e, há dez anos, sou presidente da Liga de Futsal de Bauru, função que deixarei de exercer a partir de 2024. Já em 2016, me licenciei para gerenciar as categorias de base do XV de Jaú, que estavam recebendo muito cartão amarelo. Depois, trabalhei por dois anos como professor de educação física em escolas municipais de Agudos.

JC - Como avalia a discussão, no Congresso, sobre a regulamentação da profissão de árbitros e assistentes?

Marcio - Seria muito bom aprovarem. A maioria dos árbitros e assistentes precisa de um segundo emprego para complementar a renda, até porque não sabe quantos jogos vai fazer. Muitos são autônomos, profissionais liberais, porque, por conta das viagens, é difícil ter emprego com carteira assinada. Além disso, precisam reservar tempo para treinar e estudar. Eu, por exemplo, tinha um acordo com meu chefe, na ferrovia: trabalhava horas a mais, quando não tinha jogo, para descontar quando precisava viajar, porque, dependendo do lugar, ficava praticamente três dias fora.

JC - Além da dedicação ao futebol, o que mais gosta de fazer?

Marcio - Ficar com minhas filhas. Passei a carreira viajando e não as vi nascerem, perdi aniversários, eventos na escola. Então, hoje, fico o máximo de tempo possível com a família. Também gosto de correr com meu cachorro todo dia. E, todo sábado de manhã, dou treino de futebol a cerca de 50 meninos, no Jardim Europa, em um projeto social da Primeira Igreja Presbiteriana Independente, da qual faço parte. Fazemos torneios, damos medalha e, além do esporte, oferecemos lanche, orientamos sobre como fazer currículo, em busca de ajudá-los a seguirem por um bom caminho.

O que diz oanalista e assessor de arbitragem

'Anulei um gol no último minuto, em um impedimento, e isso me ajudou a subir na carreira'

'Fiz muitos clássicos, como Flamengo e Fluminense, São Paulo e Palmeiras, Corinthians, Santos. Viajei a muitos lugares"

'Todo sábado, dou treino de futebol a cerca de 50 meninos, em busca de ajudá-los a seguirem por um bom caminho'