Quando Andressa Eberhardt, 32 anos, engravidou de Luna, 8, ela sabia que queria criar sua filha de maneira diferente de como havia sido educada. Contudo, não sabia que apenas a certeza de ser contra castigos físicos não seria suficiente para sustentar essa mudança.
"Quando a minha filha tinha 2 anos e pouco, eu percebi que precisava de algo a mais, porque eu não estava conseguindo sozinha", conta. "Eu não sabia o que fazer porque tinha conflitos diários com a criança e eu não sabia lidar. Eu sabia que era errado, eu não queria fazer isso, mas eu não sabia fazer diferente."Foi assim que, por meio de pesquisas, Andressa conheceu a educação positiva. Hoje, é educadora parental e compartilha suas experiências com a criação da filha em redes sociais, como Instagram e TikTok.
Segundo ela, o processo de melhorar sua relação com a filha envolveu entender que as mudanças precisavam partir de si mesma, e não da criança. "A gente chega num ponto da educação respeitosa que a gente cura quem nós somos mesmo, nossas feridas da infância. Não é romantizar, mas melhora muito o seu próprio entendimento das suas ações", diz.
Para a psicóloga Manuela Moura, mestre em psicologia do desenvolvimento, a educação positiva de fato passa por entender que a responsabilidade pelas mudanças de comportamento deve partir do adulto, e não da criança.
A educação positiva é uma maneira de educar que busca considerar a criança como indivíduo próprio, além de respeitar as fases de desenvolvimento do ser humano. Quem pratica esse tipo de parentalidade discorda de atitudes punitivas e agressivas, o que não significa que não há disciplina ou conflitos.
"Durante muito tempo, medidas que hoje são consideradas práticas violentas foram consideradas práticas educativas", pondera Moura. De acordo com a especialista, a discussão sobre educação positiva se inicia apenas após a concretização dos conceitos de infância e adolescência, e ganha força com marcos como o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990. "Antes, as crianças eram tratadas como mini adultos", comenta.
A primeira vez que a teoria foi esquematizada e publicada como método de educação foi com o livro "Disciplina Positiva", da psicóloga norte-americana Jane Nelsen, em 1981. A especialista colaborou com a terapeuta Lynn Lott para criar guias e programas de treinamento para adultos, que deveriam aprender a cuidar de crianças de acordo com os princípios da educação positiva.
Hoje, Nelsen está por trás de diversos programas de treinamento e certificação que visam capacitar familiares, professores e outras pessoas envolvidas na criação de crianças e adolescentes. Dentre os princípios da disciplina positiva, está a noção de ser firme e gentil simultaneamente.
Moura explica que a educação positiva passa pela noção de entender as questões da criança a partir da compatibilidade neurológica e psíquica dela, validando o direito de expressão de acordo com cada idade. "Você não precisa agredir fisicamente uma criança para que ela seja educada", diz.
Segundo a psicóloga, boa parte da dificuldade de entender esse método de educação está justamente na mudança geracional. A maior parte dos pais de hoje em dia foram educados da maneira tradicional, muitas vezes envolvendo práticas agressivas e punitivas, e é preciso mudar essa noção de que só é possível educar através da punição.
"O adulto é quem precisa aprender a regular as suas próprias emoções para ajudar as crianças", aponta. O processo é longo e repetitivo, e consiste também em ensinar a criança a expressar os seus sentimentos e lidar com as consequências das próprias ações.
"É muito engraçado porque para qualquer outra coisa a gente estuda, pesquisa, e para filhos não. Na verdade a gente não faz ideia do que estamos fazendo", comenta Isabelli Gonçalves, que além de criadora de conteúdo, é educadora parental, formada em neurociências e desenvolvimento infantil e mãe de duas meninas.
Isabelli também não iniciou a sua trajetória como mãe praticando a educação positiva, mas considera que sua relação com as filhas mudou para melhor após passar a aderi-la.
"Eu comecei a sentir que eu não estava conseguindo criar um vínculo com a Helena, eu ia repetindo esses padrões [que vivi na infância]", relata. "É uma forma de educação não natural para a gente."
A mudança veio após pesquisa e estudos intensos, mas o conhecimento sobre o assunto não torna o processo menos desafiador. "Apesar de eu já estar há três, quatro anos trabalhando com isso, cada fase é um novo desafio", diz.
Para Isabelli, a educação positiva modificou a sua relação com as filhas e a capacidade das crianças de expressar sentimentos e necessidades. Quando começou a conhecer mais sobre o assunto, sentiu vontade de compartilhar as informações que havia aprendido, e por isso passou a postar sobre o assunto nas redes sociais. Hoje, se aproxima dos 500 mil seguidores no Instagram e conta com mais de um milhão no TikTok.
"A partir do momento em que isso começou a tomar um alcance maior, acabou me assustando um pouco essa proporção e como isso iria afetá-las", comenta.
Apesar de ter modificado a maneira como compartilha as experiências nas redes, buscando expor menos as crianças, segue produzindo conteúdo para mostrar que o método funciona na prática e tentar questionar os mitos que surgem em torno dele. "Educação positiva não é deixar a criança fazer o que ela quiser. Isso é negligência."