16 de julho de 2024
OPINIÃO

Estuprada, mesmo cega

O autor é jornalista
| Tempo de leitura: 3 min
Zarcillo Barbosa

Os diálogos obtidos ilegalmente pelo hacker preso na Operação Spoofing (Falsificação), serviram como fundamento para o ministro Dias Toffoli, do STF, anular todo o acordo de leniência da Odebrecht confessando propinas pagas durante o segundo governo Lula.

Leniência é o mesmo que complacência. Acordo que, caso o infrator colabore nas investigações ou admita sua culpa no processo, terá certos benefícios, como não aplicação de punições ou parte delas.

Depois de considerar as provas "imprestáveis", o ministro Toffoli foi além da argumentação jurídica ao dizer que a prisão de Lula, em 2018, poderia ser chamada de "um dos maiores erros judiciários da História do País", mas "foi muito pior". Ficaram para trás, Tiradentes (1792), enforcado e esquartejado na Inconfidência Mineira; e o Frei Caneca (1825), condenado à morte pelos seus ideais republicanos.

Neste caso, a injustiça era tão flagrante que os carrascos se recusaram a enforcá-lo e ele teve que ser executado a tiros de arcabuzes.

Em sua sentença monocrática, Toffoli ainda chamou a Operação Lava Jato de "PAU DE ARARA do Século XXI" (assim mesmo, com letras maiúsculas). Acusou juízes e procuradores da equipe lava jatista de terem promovido verdadeiras torturas psicológicas para obter provas contra inocentes.

Realmente, não deve ter sido agradável aos implicados devolverem mais de R$ 6 bilhões superfaturados à Petrobras. Um ex-presidente peruano e outro equatoriano foram condenados em seus países por receberem muito menos em propinas, da mesma Odebrecht.

Quando Emílio Odebrecht contou, na televisão, que os petistas estavam com "boca de jacaré" em cima da sua empresa, não parecia estar sob coação irresistível. Ao revelar que esteve com Lula no Palácio do Planalto, para comunicar que a reforma do sítio de Atibaia ficaria pronta em tempo para o Natal, os repórteres sequer o haviam questionado sobre isso.

Lula indicou Toffoli à Suprema Corte em 2009, para premiar o ex-advogado do PT. Logo se arrependeu. Em 2018, o ex-ministro Marco Aurélio chegou a conceder liminar que soltaria todos os presos condenados em segunda instância. Toffoli derrubou a medida porque traria "insegurança jurídica". Caso não houvesse essa interferência, Lula teria sido libertado quase um ano antes.

Depois de 580 dias preso em Curitiba, Lula saiu porque o plenário do STF decidiu anular prisões determinadas em segunda instância. Em 2010, morreu de câncer o irmão do ex-presidente. Toffoli atrasou a liberação para que Lula fosse ao velório. O ministro liberou o documento 10 minutos antes do enterro. Lula estava em Curitiba e Vavá foi enterrado em São Bernardo.

Chegou, enfim, a oportunidade do apadrinhado se redimir. O ministro Toffoli absolve os investigados e determina que sejam identificados os agentes públicos que atuaram da Lava Jato, como Moro, Dallagnol e outros. Deverão ser apuradas responsabilidades na seara funcional, administrativa, cível e penal. A Constituição dispõe que "O Estado indenizará o condenado por erro judiciário". Lula pode levantar uma grana legal com o seu martírio. As construtoras que perderam seus negócios e tiveram que devolver dinheiro vão pedi-lo de volta, ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes.

É verdade que a revelação dos diálogos entre Moro e Dallagnol, principalmente, dizimou a credibilidade da Lava Jato e foi fundamental para a revisão da condenação de Lula. Eles erraram feio. Juiz e procuradores em conluio. Extratos bancários obtidos no exterior ao desprezo de ritos legais. Combinaram estratégias. Demonstraram preferências políticas.

Uma lambança. Mas não significa que se apague o passado. A Justiça, coitada, foi estuprada. Mesmo cega. Sem dó nem piedade.

Que se cuide. Pode se repetir.