Jaime Prado, 70 anos, é um aliado do tempo e, com seu otimismo e entusiasmo, quase nunca tem uma rotina de "tempo ruim". Como repórter cinematográfico do Instituto Lauro de Souza Lima (ILSL), da TV Centrinho e da TV USC, ajudou a registrar e eternizar histórias marcantes, sendo que uma delas, sobre a segregação de pessoas com hanseníase, chegou a ser premiada.
Em um trabalho voluntário, atuou, ainda, no Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), para encerrar o tempo de espera de pacientes do Lauro que ficaram décadas sem ter contato com suas famílias. Paralelamente, Jaime descobriu e passou a se dedicar a duas de suas grandes paixões: a restauração de relógios antigos e o cultivo de plantas, ambos também vinculados à sabedoria da espera e o passar do tempo.
Nascido em Santópolis do Aguapeí, região Noroeste do Estado, e residente em Bauru há mais de cinco décadas, Jaime é um homem agitado, solidário, de origem humilde e apaixonado pela natureza, em especial pelos famosos girassóis vermelhos que espalhou pela cidade. É casado há 40 anos com Helena Maria, com quem teve a filha Thaynara Fernanda, 32 anos, que já lhe deu dois netos.
Nesta entrevista, ele relembra a dura infância na roça, o trabalho no ILSL e a convivência com os hansenianos, revela os relógios conhecidos do público que já consertou e a missão, que tomou para si, de semear o amor pelo meio ambiente nas novas gerações. Leia, abaixo, os principais trechos.
JC - Você tem origem humilde. Conte um pouco sobre sua infância.
Jaime - Trabalhei com meu pai na roça, em Junqueirópolis, com sete, oito anos. Acordava 3h30, 4h. Estudei até o primeiro ano do colégio técnico, mas era escola de sítio e a gente não aprendia muita coisa. Sou filho de pais analfabetos e, assim como eu, minhas irmãs eram semianalfabetas.
JC - Quando decidiu se mudar para Bauru?
Jaime - Meu pai veio para Bauru para trabalhar como pedreiro na Santos Monteiro e vim atrás dele, aos 15 anos de idade. Ele morava no Parque Santa Terezinha, na casa de tios meus. Mas comecei a sentir falta da família e acabei voltando para Junqueirópolis. Só quatro anos depois, em 1972, me mudei definitivamente para Bauru, junto com a família, no Jardim Redentor. Sempre muito agitado, fui em um posto de combustíveis perto do Horto Florestal e consegui um emprego. Tudo que conquistei foi em Bauru, trabalhando com dignidade.
JC - Em que momento começou a trabalhar no Lauro de Souza Lima?
Jaime - Um amigo que trabalhava no Lauro me convidou para jogar futebol lá. Jogávamos junto com os pacientes e fui nutrindo carinho pelas pessoas que estavam ali dentro. Em dezembro de 1976, me tornei funcionário do instituto, após prestar concurso para operador de caldeira. Fiquei lá até me aposentar, em 2017. Durante este tempo, fiz muitas coisas lá. Na década de 1980, montei uma rádio interna com equipamentos doados por um tio. Também trabalhei no estúdio de televisão de lá, onde nasceu a TV Centrinho, em parceria com a USP. Cuidava de todos os equipamentos e fui repórter cinematográfico. Ajudei a produzir matérias inesquecíveis, como uma sobre exclusão dos hansenianos, que ganhou o Prêmio Vladimir Herzog.
JC - Você também atuou em um movimento para encontrar parentes de pacientes tirados de suas famílias. Como foi esta experiência?
Jaime - O Morhan nasceu dentro de uma enfermaria do instituto e eu estava lá. Ajudei, junto com o Bacurau, hanseniano já falecido, a idealizar este movimento, que é um dos maiores do Brasil e teve repercussão internacional. O objetivo é promover o reencontro de hansenianos com seus familiares e, muitas vezes, a gente conseguia isso por meio de redes sociais. Fazia este trabalho como voluntário e era muito emocionante presenciar estes momentos, de pessoas que estavam há 50, 60 anos separadas.
JC - Você assistiu de perto à história de segregação dos hansenianos. Que lembranças tem daquela época?
Jaime - Uma tia minha, em 1936, foi capturada no meio da rua e, até 1947, ninguém da família soube onde ela estava. Ela tinha quatro filhos, o mais novo com 3, 4 anos, e foi levada ao leprosário de Bauru, hoje ILSL. Só foi reencontrar uma das filhas depois de mais de 50 anos e faleceu lá dentro. Havia muita discriminação e eu já sabia como era antes de entrar no Lauro por conta dessa história. Entrei lá muito consciente de que o preconceito moveu o Estado a arrancar pessoas do convívio com suas famílias. Quando entrei, o isolamento compulsório não existia mais, mas aprendi muito com os pacientes que lá permaneceram e sempre procurei ajudá-los. Construí com eles a minha história e guardo bons momentos vividos na memória.
JC - Só depois de se aposentar que começou a se dedicar ao conserto de relógios?
Jaime - Foi antes. Em março de 1977, subi na torre da igreja do Lauro e encontrei o relógio parado. Não tinha noção de relojoaria, mas sentia que deveria consertá-lo. Isso ficou na minha cabeça até 7 de julho de 2007, quando subi de novo e, com ajuda do relojoeiro Renato Papassoni, botei o relógio para funcionar. Depois, fui me aprofundar e restaurei inúmeros relógios, como o da Igreja Santa Terezinha e da Estação Ferroviária, em Bauru, e o da Catedral Basílica de São Bento, em Marília. Recentemente, fui convidado a ir a Brasília para restaurar o relógio (de dom João VI) vandalizado no Palácio do Planalto. Cheguei a ir até lá para vê-lo, mas é um aparelho francês e faltavam muitas peças.
JC - Sua outra paixão é cuidar da natureza?
Jaime - Com certeza. Quando levei um paciente para reencontrar parentes no Acre, conheci a família, a casa e o museu do Chico Mendes, em Xapuri. Ali, entendi que precisava fazer alguma coisa. Plantei girassóis vermelhos, árvores frutíferas e outras plantas em várias escolas e áreas públicas. As pessoas gostam bastante e me parabenizam pela iniciativa, mas minha satisfação é incentivar as crianças a plantar, porque sei que estou semeando algo muito maior para as novas gerações. Se Deus me deu o dom de fazer a diferença, é assim que vou continuar sendo.
O que diz o aposentado:
‘Era emocionante presenciar o reencontro de hansenianos com seus familiares, que estavam há 50, 60 anos separados’
‘Minha satisfação é incentivar crianças a plantar, porque sei que estou semeando algo muito maior para as novas gerações’
‘Se Deus me deu o dom de fazer a diferença, é assim que vou continuar sendo'