No início do ano os textos evangélicos nos vão apresentando Jesus dando os primeiros passos na sua vida apostólica. Na Missa de hoje ouvimos de São Mateus - Mt 5,1-12 - que Jesus anuncia à numerosa multidão que o seguia o anúncio do que a Igreja afirma ser a plataforma do Reino de Deus. O projeto de salvação e libertação para a vida nova da humanidade, consubstanciado no Evangelho do Reino, resume-se nas "Bem-aventuranças" que Jesus para começar sua pregação missionária anuncia solenemente ao povo em forma de discurso conhecido como o "Sermão sobre a Montanha".
O modelo perfeito de bem-aventurado, segundo reflete a Igreja, é o próprio Jesus. As bem-aventuranças se realizaram em Jesus. Em outras palavras, Jesus, em pessoa, era as bem-aventuranças postas em prática: pobre, humilde e puro de coração, faminto e sedento de justiça, e cheio de misericórdia. "Felizes os misericordiosos" é a bem-aventurança dos corações grandes. A grandeza do homem mede-se pela capacidade de perdoar. A caridade fraterna mostra-se no amor misericordioso. Se Deus nos ama perdoando, assim também nós devemos amar.
Ainda podem-se ver nas bem-aventuranças segundo São Mateus três grupos de pessoas bem-aventuradas: 1- os que precisam de salvação: pobres, sofredores, humildes e injustiçados; 2- os que fazem o bem e se dedicam a servir os do primeiro grupo: misericordiosos, puros e pacíficos; 3- os que fazem o bem e não obstante são caluniados e perseguidos: pobres, sofredores, humildes e aqueles que anseiam pela justiça.
Particularmente falando, para começar o ano novo nada melhor do que ouvirmos na Liturgia de hoje Jesus proclamando as "Bem-aventuranças", ou seja, a sua proposta de felicidade a fim de nos encorajar não só a enfrentar os desafios e tribulações da vida como também a vivê-las como os santos e santas as viveram e praticaram. Pastoralmente falando, para a Igreja nada mais oportuno do que desde logo anunciar aos homens e mulheres de hoje Jesus Cristo e o seu projeto de felicidade para todos.
A verdade e a humildade andam em falta nos dias de hoje. Na sociedade líquida em que vivem homens e mulheres nada haveria de sólido e seguro sobre o que edificar a casa de suas vidas. Sob este novo paradigma, cada pessoa construiria sua moradia sobre as verdades que selecionasse para si, segundo seus interesses, preferências, concepções e crenças. E o que dizer sobre a humildade? Sem ela não há conhecimento possível. Em nós, modernos, falta a humildade. Por isso, pela falta de humildade, é que o orgulho moderno é sempre um erro como forma de estar no mundo. Ficando só no quesito pecado, pergunto, quem é que humildemente reconhece e confessa suas fraquezas? Não penso em pedir perdão em público, obrigação só exigida aos homens públicos, que nunca o fazem. Quando muito, pessoas há que admitem ser pecadoras, porque seria politicamente incorreto não reconhecer as limitações da condição humana, suas más inclinações e fraquezas.
Hoje em dia é mais fácil ouvir falar de valores do que de virtudes. As pessoas têm medo de encarar as virtudes, porque exigem luta, esforço em controlar a vontade, os desejos, as paixões, as más inclinações. Quanto aos valores, todo mundo diz que os defende e assim sendo seriam pessoas éticas. Ledo engano. Praticar as virtudes é muito difícil. O Cristianismo parte da noção de natureza humana caída e do pecado original para afirmar que, como pecadores, dependemos da graça de Deus sem a qual jamais seremos virtuosos. O mérito para recebê-la é o coração humilde e contrito.