27 de julho de 2024
COLUNA

Permanecendo firmes ganhareis a vida - ano c

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A primeira ideia de utilização desse pensamento é pragmática, relacionada à questão vital do esforço, da luta que toda pessoa deve travar na sua vida para ganhar o pão de cada dia e realizar-se na profissão, na família, na sociedade etc. Ninguém pode dizer que pensar assim esteja errado. No entanto, o pensamento em epígrafe é tirado do Evangelho da Missa de hoje - Lc 21,5-19 - e saiu da boca de Jesus. Jesus, porém, está se referindo a outro tipo de vida, que deve ser ganha, conquistada, com coragem e resistência: a vida do Reino de Deus, com a sua justiça e caridade. Entenda-se tanto na construção de um novo mundo no aqui e agora, quanto na conquista da salvação e da vida nova que há de vir, na perspectiva da Parusia e da Escatologia do fim dos tempos quando da realização plena do Reino de Deus.

Como está chegando o fim de mais um ano, a Liturgia chama a nossa atenção para a realidade de que a vida passa, não obstante que, segundo cremos, a vida não termine, mas se transforme. Tendo em vista este processo, é absolutamente importante perseverar até o fim na fé e na prática das boas obras de misericórdia. Jesus fala que a vida do cristão é uma luta constante. Ele pede discernimento dos sinais paradoxais já visíveis na história e coragem para suportar todo tipo de provação da perseguição, violência e até morte e todo tipo de tentação da traição da fé pela atração de seguir falsos messias anunciadores da iminência do fim do mundo. Ele diz inclusive que os cristãos serão odiados e perseguidos por causa do seu nome, até mesmo por seus próprios pais, irmãos, parentes e amigos. No trecho evangélico de hoje, Jesus arremata a sua fala com palavras de encorajamento, dizendo: "Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça. É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida". Como sabemos, a vida plena com Deus.

"Firmes para ganhar a vida" é um bom princípio para ajudar-nos na preparação do Natal e do Ano Novo que se aproximam, e um bom lema para guiar-nos pela vida afora, uma vida que em nós nunca termina, mas se transforma na medida em que caminhamos ano a ano rumo à pátria celeste. Porque a graça de Deus não é estéril em nós, bastando que perseveremos nela até o fim (cf. Cor15,10). Por isso, permanecermos firmes é preciso. Inclusive para não recebermos a graça de Deus em vão.

Como pessoas de fé que somos, não acreditamos que estamos aqui neste mundo para nada. Ao contrário, mesmo passando pela morte, cremos que continuaremos a viver. Trabalhados pela graça de Deus que nos foi dada por Jesus Cristo, Paulo Apóstolo deduz que, "embora em nós, o homem exterior (biológico) vá caminhando para a ruína, o homem interior (espiritual) se renova dia a dia" (2Cor 4,16).

O filósofo Pascal dizia ter mil razões para não crer e mil para crer. Mas dizia que já tinha feito a sua opção que é "eu creio". Nós bem sabemos que a fé não é uma certeza matemática, clara como a luz do dia. A fé é resultado do amor, vem da graça, é dom. À razão se responde com a razão. Qual é a soma de dois mais dois? Quatro é a resposta certa. Contudo, ao amor só se responde com o amor. Ter fé é amar, porque a gente só tem fé em quem ama. O filósofo existencialista Gabriel Marcel, que se converteu ao catolicismo na maturidade, compreendeu bem isso e dizia que Deus não é como um objeto, como um ausente do qual se pode falar como se fala de uma terceira pessoa, um ele. Deus, porém, é presença absoluta, com Ele só no amor se pode falar, como a um tu: "A religião começa quando eu transformo um ele num tu". Deus só no amor se revela e se dá, e nós só no amor O poderemos encontrar. Ser cristão, então, é criar o tu ao redor de nós, é amar.