Expressões da poesia
Texto: Ricardo Polettini
Poetas de Bauru reúnem-se amanhã, no Sesc, para mostrar a produção feita na cidade em diferentes meios de expressão desta arte, como o vídeo, o computador e a música
Esqueça a pena, o papel e tudo o que se imaginava tratar-se de poesia. O evento "Expressão Poética", que acontece amanhã, a partir das 20 horas, no ginásio do Sesc Bauru, promete levar ao público os novos e diferentes meios que os poetas bauruenses vêm encontrando para expressar suas emoções e sentimentos.
Embora a matéria-prima da poesia continue sendo a mesma
- a palavra - alguns poetas encontraram em outros suportes, diferentes do papel, recursos complementares para enriquecer sua arte.
Internet e vídeo
É o caso de Maria Inês Ribeiro Santos, que organiza em Bauru o site "Jornal da Poesia (jornaldapoesia.pro.br). No evento de amanhã, ela mostra seus "Poenetcos", sua criação poética para a Internet. Os poemas, criados em meio a ilustrações, serão projetados em telão.
Já o poeta Cláudio David Dangió encabeça uma videopoesia, com seu "O Vôo do Pássaro". Juntos, estão Ana Maria Barbosa Machado, com "Eterna" e Vagner Santos, com "No Ar", entre outros.
Vagner Santos, que organizou o livro "20 Poetas Bauruenses", lançado no ano passado, além de estar no vídeo, preparou uma releitura para "Navio Negreiro", de Castro Alves.
Ao lado do percussionista Afonso Menino e da poetisa Sara Araujo, com quem reveza a leitura da poesia, Vagner buscou inspiração no trabalho de Caetano Veloso, registrado no CD "Livro".
"Nós ouvimos juntos a gravação do Caetano Veloso e trabalhamos em cima daquela idéia, com algumas modificações. É uma maneira diferente de se pronunciar um poema", diz.
Sobre as novas formas de expressão da poesia, Vagner aponta Arnaldo Antunes como uma boa referência. O trabalho do ex-Titãs ficou conhecido por explorar simultaneamente em suas poesias a linguagem escrita, sonora e visual. "O trabalho dele mostra que a poesia pode ser feita de várias formas, não só em texto, mas explorando também a visualidade e o som. Os outros meios ajudam, vale tudo, depende da criatividade de cada um", avalia.
Computador
O poeta Luiz Vitor Martinello, autor de diversos livros, como
"Me Apaixonei por Mim Mesmo Mas Não Fui Correspondido" e "Lixeratura", entre outros, vai mostrar uma versão inédita de seu poema "Final Feliz, Natal!", extraído do livro "Os Anjos Mascam Chiclete".
O polêmico poema (leia boxe nesta página) ganhou uma versão em animação digital, realizada por Rodrigo Ferreira de Carvalho, professor do Colégio Técnico da Unesp.
A respeito dos novos meios explorados para a poesia, Martinello se diz ainda um descobridor, mas afirma ser esta um caminho sem volta. "Estou descobrindo agora e acho que não dá mais para voltar atrás, embora eu não veja como descartar o suporte antigo. Isso porque, mesmo quando você acessa uma poesia na Internet, aqueles que mais gosta você vai querer imprimir para guardar", afirma.
Sua filha, Janaína Martinello, também deve participar do evento dramatizando algumas poesias.
Interpretações
Outra participação será do poeta José Carlos Brandão, que faz uma leitura pessoal de "Cântico Negro", de José Regio, além de "Poema de Sete Faces" e "José", de Carlos Drummond de Andrade, e "Poema em Linha Reta" e "Primeira Angústia", ambos de Fernando Pessoa.
Munir Zalaff vai interpretar os monólogos das "Mãos" e "Não me Interrompam", enquanto Sônia Brandão dá um toque especial ao poema "Eco", de Cecília Meireles, trazendo também, de sua autoria,
"Vila Velha".
Maria Cristina Fernandes vai apresentar o poema musicado "Fragmentos" e a leitura de "Pinturas no Papel", de sua autoria. Ainda mostram seus trabalhos Maria Cristina Carvalho, Nicodemus, Ana Maria Machado e Carlos Eduardo Viver, entre outros poetas de Bauru.
Serviço
Expressão Poética, com participação de poetas e músicos de Bauru, amanhã, a partir das 20 horas, no ginásio do Sesc Bauru. Grátis. Avenida Aureliano Cardia, 6-71. Informações: 235-1750.
Poesia foi queimada em praça pública
Quando escreveu "Final Feliz, Natal!", Luiz Vitor Martinello nem imaginava o rebuliço que causaria em algumas mentes mais conservadoras em 1985. Uma das publicações do poema, no livro didático "Reflexão e Ação", de Marilda Prates, ganhou repercussão nacional.
Na época, o governo estadual incumbiu os professores de escolherem os livros que seriam adotados nas escolas. A boa qualidade do material fez com que mais de 6 milhões de exemplares fossem vendidos em todo o País.
No entanto, o interesse das editoras falou mais alto, começando-se, então, segundo Martinello, a tentativa de formar um lobby para retirar o livro do mercado.
"Precisavam desmoralizar o livro e acharam meu poema entre outros textos", diz Martinello. "Em São Carlos
(SP), os vereadores queimaram o livro em praça pública".
O fato tomou dimensão política, virando assunto do plenário na Assembléia Legislativa de São Paulo. Na época, Jânio Quadros e Fernando Henrique Cardoso disputavam a prefeitura de São Paulo. Jânio chegou a mostrar o poema no seu horário eleitoral gratuito pela TV, claro, sem citar as marcas comerciais estampadas na obra.
"Assassinaram meu poema", lembra Martinello. Logo depois, Jânio atirou-o, simbolicamente, num vaso sanitário.
O poema também foi rasgado pelo então apresentador do programa televisivo "Boa Noite, Brasil", Flávio Cavalcante. Mais tarde, esfriados os ânimos, "Final Feliz..." voltou à TV, no programa "Fanzine", da Cultura, que era apresentado por Marcelo Rubens Paiva. O poema virou assunto para o debate daquela noite, sobre a vida de Cristo.
"Esse poema me dá muita sorte, quando eu penso que ele morreu, ele ressuscita novamente", orgulha-se Martinello.
(RP)
Leia a poesia polêmica de Luiz Vitor Martinello
Final Feliz, Natal!
neste natal
quando o menino jesus
acordar
e escovar os dentes
com ultra brite
tomar
banho com palmolive
servir-se
para o breakfast
com chá mate leão pão pullman
bolachas maria
procurar
a chave do chevette
ir
correndo para a kibon
onde trabalha
neste natal
quando o menino jesus
voltar para o almoço
e comer
feijoada bordon com arroz camil
e na sobremesa goiabada cascão
ouvir robertinho do recife
fafá de belém
procurar
a chave do chevette
voltar
correndo para a kibon
e depois do expediente
passar
no bar
encontrar os amigos
e beber a costumeira 51
se atrasar para o jantar
(caldo verde da knorr)
neste natal
quando ligar a t.v. mitsubishi
para assistir a plumas e paetês
terá já o menino jesus
crescido
e bêbado com o château duvalier
da última ceia
estará
à margem da vida
morto
crucificado
tendo como chagas
as 5 estrelas do cruzeiro do sul
indicando o caminho de belém
(viaje bem viaje vasp)