Embora ainda sejam as principais vítimas da violência quando se confrontam os homens, as mulheres nem sempre têm uma postura passiva na hora da agressão e devolvem - com a mesma força, quando possível - a violência que sofrem. É um ato de defesa justificável e bastante compreensível. Mas existem mulheres que estão mudando de postura e, ao invés de esperar a agressão para se defenderem, partem antes para o ataque. Detalhe: como por natureza, no geral, não possuem tanta força física quanto os homens, elas se armam com o que estiver a mão. Com isso, livros, cinzeiros, rodos, vassouras e vasos se tornam verdadeiras armas dentro de casa. O famoso rolo de macarrão, então...
O fenômeno foi medido nos Estados Unidos, onde o sociólogo Murray Straus, diretor do Laboratório de Pesquisa da Família, na Universidade de New Hampshire, vem coordenando, desde 1975, estudos com cerca de 8 mil casais. De acordo com uma matéria publicada pela Agência Folha sobre o trabalho americano, 2,2% dos homens admitiram ter cometido, no ano anterior, pelo menos um ato de violência severa contra a companheira. No item violência severa estão incluídas surras, ameaças, uso de objetos para bater, faca ou arma de fogo. Entre as mulheres, o índice foi maior, de 4,4%. A conclusão do sociólogo foi que as mulheres estão batendo com maior freqüência, mas os homens, quando batem, machucam mais. Ao contrário do que acontece com as vítimas femininas, não precisamos de abrigos especiais para homens espancados. Eles raramente correm risco de vida. Entre os homens, os traumas são mais psicológicos, disse Straus. A explicação está no fato do homem ser, historicamente, considerado o provedor do casal, o ponto forte da relação. Quando agredidos esses conceitos perdem a razão de ser.
No Brasil, não existem dados sobre casos de homens que sofrem espancamentos ou qualquer tipo de violência por parte das mulheres. Mas os casos acontecem, embora quase nunca sejam denunciados por vergonha do homem em admitir que apanhou de uma mulher.
Fúria incontrolável
Uma característica marcante nos ataques femininos é a violência desmedida com que a mulher desfere os seus golpes. Enquanto os homens usam a força física e batem com as mãos, as mulheres agridem sem medida, se possível ainda usam algum objeto para atacar. A mulher quando agride o homem não dá só tapinha, não, ela arrebenta com ele se puder, diz a psicoterapeuta Rachel Mitelmão.
Para a psicoterapeuta, a agressão da mulher contra o homem é sinal de um problema muito maior do que o inverso, uma agressão masculina contra a companheira. A violência masculina, até certo tempo, era uma forma do homem impor a sua masculidade, é um fator cultural, que vem de milhares de anos, diz. Isso de maneira alguma quer dizer que homem bater em mulher é justificável, mas sim que pode ser considerado mais normal uma atitude dessa porque existe um histórico cultural, o que não acontece no caso da mulher, que ao longo dos anos sempre foi a mais submissa e frágil na relação entre os sexos. A mulher que agride um homem está com uma raiva imensa, já perdeu o respeito por si mesma, pelo parceiro e pela relação que há entre os dois. Ela está se destruindo quando faz isso, explica.
Sem medo
Por que as mulheres estão perdendo o medo dos homens e partindo para o confronto usando a violência? Na opinião da psicóloga Cláudia Gomes Manaia, a inversão de papéis que tem acontecido nas últimas décadas, com a mulher assumindo, em casa e no mercado de trabalho, posições que antes eram exclusivamente masculinas, pode ser um fator que despertou, em certas mulheres, o desejo de usar a violência. Mais ou menos como se, assumindo vários papéis masculinos, a mulher se sentisse também no direito de ser mais agressiva, como o homem é por natureza e cultura. A psicóloga alerta, porém, que essa inversão de papéis, sozinha, não pode ser responsável pelo aumento dos casos de violência. O conteúdo emocional desse relacionamento tem que ser avaliado. Uma relação bem estruturada corre menos risco de sofrer com esse tipo de problema, diz. De acordo com Cláudia Manaia, o mais provável é que a mulher violenta já tenha uma tendência a agir agressivamente, os fatores externos serviriam apenas para trazer isso à tona e não para provocar uma onda de violência.
Sinal do fim
Segundo Rachel Mitelmão, quando a violência passa a fazer parte de um relacionamento é porque ele está agonizando e não deve demorar muito para acabar. Quando a relação chega nesse ponto é porque não existe mais respeito entre o casal e também não há mais respeito pela própria relação, afirma. Para a psicoterapeuta, agredir o companheiro não é uma forma de solucionar os problemas do relacionamento, quaisquer que eles sejam. Ao contrário, pode até agravar as coisas. No momento, pode haver uma sensação de alívio, mas depois há a constatação de que tudo continua igual ou pior, diz.
De acordo com Rachel Mitelmão com a ajuda da terapia é possível que o respeito entre o casal seja restabelecido, mas não é uma tarefa fácil. É preciso descobrir primeiro porque o casal está se mutilando dessa maneira e começar a tentar recuperar esse respeito perdido. Existem casos em que esse processo de violência pode ser revertido, mas eles são raros, afirma.
Já bati
A microempresária Marlene*, de 35 anos, diz que já bateu em dois ex-namorados. Nos dois casos a razão das agressões foi a infidelidade dos dois. A primeira vez, eu estava desconfiada que ele andava me traindo, conta. A desconfiança surgiu porque o namorado não ia aos encontros marcados ou se atrasava demais, sempre. Um dia chamei ele para conversar, quis abrir o jogo, mas ele ficou negando, então parti para cima dele, bati muito, diz sem arrependimento. Dois anos depois, a história foi pior. Peguei outro namorado com outra menina na rua, lembra. Dessa vez não houve nem tempo para reação. Marlene pulou em cima do namorado e rasgou sua camisa. Acabou sobrando agressão até para a moça que estava com ele. Precisaram de três pessoas para me segurar, diz. Marlene é casada há um ano e meio e acredita que nunca mais vá ter ataques de violência. Acho que amadureci, não sou mais tão ciumenta, declara.
* O nome da entrevistada foi trocado para preservar a sua identidade
Eles não tolerariam
Nas ruas, o machismo ainda fala mais alto quando o assunto é violência contra o homem. Tanto que é muito difícil encontrar um homem que admita ter levado, pelo menos, um tapa de uma mulher. Declarações de intolerância com a violência feminina porém não faltam. Se uma mulher batesse em mim ou tentasse me agredir eu bateria também, afirma o comerciante José Carlos Gerber, que não se considera um homem violento. Nunca bateria numa mulher normalmente, só se fosse agredido, diz. O enfermeiro Severino Santos de Oliveira declara que é completamente contra a violência contra a mulher, mas não sabe como reagiria se fosse agredido por uma. É uma situação difícil, não consigo imaginar, mas acho que não ia deixar que isso acontecesse, afirma sem explicar o que faria para impedir a agressão. Mais explícita mas não menos machista é a declaração do auxiliar administrativo Milton L. Meira: Só um tapinha não dói, não é mesmo. Se ela vier para cima, vai levar também, diz.