07 de dezembro de 2025
Geral

Sonho da casa própria está mais distante

Patrícia Zamboni
| Tempo de leitura: 8 min

Com o propósito de incentivar as instituições financeiras a conceder mais financiamentos para a aquisição de imóveis, o governo autorizou os bancos a corrigir mensalmente, pela inflação, as prestações de financiamentos habitacionais. A medida é válida para os contratos que tenham prazo acima de 36 meses.

A utilização de índices de preços para reajustar as prestações só poderá ocorrer nos financiamentos cujos recursos não sejam provenientes das cadernetas de poupança. As novas regras para o financiamento habitacional entraram em vigor através de uma Medida Provisória (MP) e foram anunciadas no final da semana passada, numa edição extra do Diário Oficial da União.

Alguns empresários do setor estão avaliando que as regras mais claras irão disciplinar o mercado e beneficiar um maior número de pessoas. Porém, todos são unânimes em dizer que, no início, haverá uma retração no setor, com menos procura por financiamentos por parte da população. Especialistas da área de habitação estão aconselhando aos mutuários em potencial para que aguardem mais um pouco e não façam contratos de financiamento agora. O presidente do Sindicato da Construção Civil (SindusCon) em Bauru, Antônio Trindade da Silva Neto, diz que somente com a criação de uma política habitacional o setor terá uma disciplina real e poderá contribuir para o desenvolvimento do País.

A nova regra que trata sobre a inadimplência dos mutuários está bem mais rígida e é uma das que mais assustou a população. Agora, se a Justiça determinar a devolução de um imóvel, o mutuário inadimplente terá que pagar, mensalmente, 1% do valor do imóvel, até a desocupação. Antes, o mutuário não precisava pagar nada enquanto não cumprisse a ordem judicial (ver quadro). A situação se complica mais para a classe média, já que, além dessas novas regras, a Caixa Econômica Federal (CEF) suspendeu, por tempo indeterminado, o financiamento para famílias com renda acima de R$ 2 mil. Para a compra de imóveis em construção, a restrição é válida para rendimentos acima de R$ 3,25 mil. Associações de mutuários dizem que a medida é inconstitucional.

A MP anunciada na semana passada também criou regras que modificam a maneira pela qual os empreendimentos imobiliários são contabilizados. A partir de agora, as construtoras podem tratar cada imóvel como se fosse um projeto independente. Isso significa que essas empresas podem se comprometer a utilizar as prestações pagas apenas para a construção do imóvel que está sendo adquirido. O objetivo seria evitar que o dinheiro dos mutuários seja desviado para outros projetos.

Operações mais fáceis

José Batista Crestana, diretor do Secovi/SP, entidade que representa construtoras e incorporadoras, analisou para o JC duas das medidas incluídas na MP do governo, a 2.223 e a 2.221. A primeira diz respeito ao Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) e, segundo Crestana, oferece um pouco mais de opções para a operacionalização do mercado. Para o diretor do Secovi, trata-se de uma boa medida, já que possibilitará a transformação de créditos imobiliários em dinheiro de grandes investidores e detentores de capital, como seguradoras e fundos de pensão. Crestana acredita que essa medida beneficiará compradores, agentes financeiros, construtoras, incorporadoras, trabalhadores, enfim, todos os envolvidos na questão.

Com essa medida, a operação dos negócios será mais fácil. Essa questão que está assustando a população, de que o reajuste das prestações poderá ser feito mensalmente para contratos acima de 36 meses, sempre foi assim. O pagamento não era mensal, mas o saldo era reajustado todo mês. O que ocorre agora é que não existe mais o resíduo do saldo. E isso é muito bom, porque o resíduo prejudica demais a situação financeira dos adquirentes de imóvel próprio. Essa medida veio consolidar uma tendência que já existia no mercado, analisa.

Em relação às mudanças das regras sobre inadimplência, Crestana diz que a disciplina mais rígida será benéfica para um maior número de pessoas. Sem entrar no âmbito das razões que levam as pessoas a não conseguir cumprir com os compromissos financeiros do seu contrato, o fato de beneficiar três ou quatro pessoas com regras brandas faz com que todo o sistema de empréstimo perca, porque o dinheiro não volta aos emprestadores. Quando isso ocorre, o resultado é a situação que se tem hoje. Ou seja, o mercado não empresta dinheiro e as pessoas corretas, honestas, que querem comprar sua casa própria, não conseguem financiamento. Então, no momento em que se beneficia o sistema social como um todo, mesmo sendo severo com os inadimplentes, os ganhos são muito mais abrangentes, avalia Crestana.

Em relação à medida 2.221, que diz respeito ao patrimônio de afetação, Crestana diz que o Secovi é contra. Segundo ele, essa é a 25.ª versão da medida que seguiu para aprovação. Até a 15.ª edição, o Secovi teria acompanhado. Depois disso, a entidade tomou posicionamento contra a continuidade das reedições e o rumo que passou a ser tomado.

No início, éramos favoráveis porque a medida beneficiava os compradores. Já existe a Lei 4.591, de 1964, que fala um pouco sobre o patrimônio de afetação, que é uma segregação do que é uma obra em benefício de todos os envolvidos, inclusive os compradores. Tanto é assim, que o problema ocorrido com a Encol está resolvido em aproximadamente 70% devido a essa lei, que permitiu que os mutuários se organizassem e fossem em busca dos seus direitos. A criação do patrimônio de afetação deveria beneficiar ainda mais os compradores. Mas, depois da 14.ª edição começaram a aparecer outros beneficiários e o comprador acabou sendo prejudicado. Então, somos totalmente contrários à medida 2.221 porque ela foi deturpada ao longo do seu desenvolvimento e piora a Lei 4.591, diz Crestana.

Política habitacional

Para o presidente do SindusCon, Antônio Trindade da Silva Neto, os primeiros reflexos das mudasnças anunicadas pelo governo serão negativos. Na opinião dele, a suspensão do financimanto habitacional para a classe média, pela Caixa Econômica Federal, limita o mercado, mesmo com a criação do SFI. Segundo Silva, o SFI traz mais segurança aos construtores, investidores e incorporadores. Por outro lado, os compradores se retraem. Na avaliação dele, as mudanças das regras do financiamento habitacional irão gerar impactos imediatos no mercado, porque a liberação do reajuste das prestações aumentará muito o custo dos contratos.

Certamente, o primeiro reflexo dessas mudanças será a queda na procura por financiamentos. Além disso, se os juros continuarem altos o mercado continuará passado por dificuldades e terá que encontrar novas saídas. Por isso, defendo que nós precisamos, urgentemente, de uma política habitacional e de uma maior oferta de imóveis para todas as faixas de renda familiar, com juros acessíveis ao consumidor e às construtoras. Os juros altos não atraem o consumo, afirma.

O empresário Arthur Sampaio, sócio-proprietário de uma construtora de Bauru, diz que, neste momento, oferecer segurança para o comprador é a melhor forma de manter o setor equilibrado. Quanto mais segurança for oferecida ao comprador, melhor será para o mercado, incluindo construtoras e compradores. A partir dessas novas regras, todas as discussões sobre projetos habitacionais têm que ser feitas juntamente com os setores produtivos para chegarmos a um acordo. Para o setor produtivo, é bom que o comprador tenha o máximo de segurança, como por exemplo, colocar prazo para o término das obras dos empreendimentos. A segurança, neste momento, é essencial para não afastar comprodores em potencial, avalia Sampaio. Para ele, o ideal é que as construtoras façam um seguro independente para cada projeto.

Sonho interrompido

Para o diretor da Associação dos Administradores de Imóveis de Bauru (Aciba), José Martinho Teixeira da Silva, as mudanças irão gerar uma desaceleração no mercado da construção civil. O reflexo anima o setor imobiliário, já que, sem a possibilidade de adquirir um financiamento - no caso da classe média, por exemplo -, mais pessoas continuarão pagando aluguel por mais algum tempo.

Morando no apartamento de propriedade do cunhado, Marina (nome fictício, a pedido da entrevistada) e seu marido faziam planos para a aquisição de um financiamento para conseguir comprar o imóvel. Mas, após a suspensão da linha de crédito da Caixa Econômica Federal para a classe média, o sonho teve que ser adiado. Eu moro com meu marido no apartamento de um cunhado. Há algum tempo, fizemos um acordo para que, mensalmente, o valor do aluguel fosse gradativamente abatido do preço total do imóvel. Mesmo assim, precisaríamos recorrer a um financiamento, porque dessa forma nós quitamos apenas cerca de 5% do valor do imóvel por ano. Com a suspensão do financiamento da Caixa para famílias com renda superior a R$ 2 mil, nossos planos foram por água abaixo. Não queremos recorrer a uma linha de crédito de bancos privados porque os juros são muito altos. Isso tudo nos deixou extremamente tristes, porque teremos que continuar pagando aluguel por tempo ainda indeterminado. Cerca de 30% da nossa renda é consumida, anualmente, somente com as despesas de aluguel e condomínio, lamenta Marina.

Também fazendo planos para fugir do aluguel, Marcos (nome fictício) e a esposa compraram um terreno no condomínio residencial Lago Sul, sendo que a última prestação será paga em dezembro. Em função disso, o projeto do casal era recorrer a um financiamento habitacional para poder construir uma casa no local. Com o dinheiro do FGTS, meu e da minha esposa, faríamos um financiamento na Caixa. Juntando com mais algumas reservas que temos, conseguiríamos o dinheiro necessário para construir a casa que planejamos. Agora, depois de todas essas mudanças, os planos perderam a validade. Cheguei a me informar sobre linhas de crédito em bancos privados, mas as taxas de juros são muito altas e descartei a possibilidade. Então, ficaremos com um terreno vazio sem saber o que colocar nele e por quanto tempo, conta Marcos, tentando driblar a decepção com bom humor.