Uma pergunta circula insistentemente entre os especialistas na Área de Livre Comércio das Américas (Alca): por que a América Latina se empenha tanto no prosseguimento de um acordo que não oferece concessões substanciais por parte dos EUA que, pelo contrário, exige dos países pequenos e médios do continente um elevado esforço de adequação e de reduções de tarifas alfandegárias?
A inquietação não obedece tanto à falta de respostas, mas ao fundamento oferecido pelos argumentos atuais. Consideremos alguns deles, começando pelo principal e mais óbvio: conseguir o acesso preferencial ao mercado norte-americano para as exportações latino-americanas. Pelo tipo de acordo e considerando o rumo das negociações, é provável que o substancial da liberalização comercial ocorra no terreno das tarifas alfandegárias. Como os EUA têm uma média próxima dos 2% (contra 10% latino-americana) e que os instrumentos unilaterais e não-alfandegários empregados por esse país para a proteção de seu mercado não estão sujeitos a negociação, a criação da Alca não parece capaz de gerar um acesso muito diferente do atual. Outra vantagem que se atribui à Alca é a maior captação de investimentos diretos estrangeiros (IED). Normalmente, esse tipo de investimento é sensível aos projetos de ampliação de mercados e às oportunidades que dá à indústria de escala. Entretanto, não é o único fator considerado por uma companhia multinacional.
Além das limitações que acabamos de alinhar, deve-se observar, neste caso, uma vulnerabilidade de tipo circular: se, como é provável, o sustento estrutural oferecido pela Alca não combina com resultados econômicos sólidos, o modelo exportador poderia ver-se afetado em sua legitimidade política e, assim, tirar-lhe a qualidade convocatória. Existe uma explicação adicional, talvez a mais escorregadia em termos analíticos, mas que algumas declarações oficiais parecem avalizar: os setores que tomam as decisões na América Latina não têm clara consciência do que estão negociando. Isto combina com o fato de que a complexidade técnica das negociações, extrema na maioria dos temas, tenha dissuadido a reflexão ampla e plural sobre as distintas implicações da Alca.
Embora a versão preliminar do tratado circule livremente pela Internet, muitos analistas ainda preferem ver na Alca um projeto provisório capaz de ser vulnerado por problemas de conjuntura, tais como o atraso na obtenção do fast track (carta branca do Congresso ao Executivo dos Estados Unidos para as negociações), a posição menos entusiasta do Brasil e da Venezuela, inclusive os recentes atentados contra o World Trade Center de Nova York. Entretanto, é pouco provável que esses fatos alterem as negociações iniciadas em abril de 1998. Tampouco o fizeram as crises financeiras mais severas dos últimos anos. A desvalorização do peso mexicano, o efeito samba e os agudos problemas fiscais da Argentina pouco intervieram depois das Cúpulas das Américas de Miami, Santiago e Quebec.
Embora as negociações não estejam isentas de dificuldades e discensões, é cada vez mais claro que o acordo se projeta como um importante fator sobre o futuro não só econômico da América Latina. Em vários sentidos constitui uma estrutura emergente que afeta as estratégias externas da região e que, segundo o texto preliminar do tratado, terá elementos de irreversibilidade. Nesse contexto, a melhor versão da Alca para a América Latina, como propõe o Sistema Econômico Latino-Americano (Sela), implica o - já angustiante - desafio de evitar transformar-se em objeto passivo de uma realidade que se constrói diante de nossos olhos.
(*) O autor, Germán A. de la Reza, é professor de integração econômica da UAM e da INAM no México.