Prefeitura diz que liberação de área para implantação de infra-estrutura depende de licença de órgão estadual, que, por sua vez, alega estar aguardando a municipalidade firmar compromisso de reflorestamento.
Em 1998, a desapropriação de uma gleba de terras pertencente ao pecuarista José Amir Neme Mobaid desencadeou um dos mais polêmicos e conturbados episódios da história política de Bauru: a cassação do então prefeito Antonio Izzo Filho. A turbulência passou, culpados continuam impunes, mas a referida área ainda está em evidência, pelo menos para uma centena de moradores do Parque Santa Edwirges. O terreno, que abrange a nascente de um afluente do córrego da Grama, é objeto de ação judicial e aguarda garantias da Prefeitura para receber licença do Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais (DPRN) e, finalmente, ser desmembrado. Enquanto isso, moradores vizinhos da gleba vivenciam a desagradável experiência da falta de esgoto, que não poderá ser implantado até que todas as pendências estejam resolvidas.
Pelo mapa da cidade, os pontos sem rede de esgoto estão situados na chamada Chácaras Rodrigueiro, mas documentos referentes aos imóveis, como escritura e carnês de IPTU, os colocam como parte do Parque Santa Edwirges. As quadras 1 das alamedas Granada, Opala, Vênus, Saturno, Urano e Netuno, onde vivem aproximadamente 70 famílias, ficam neste limite e à mercê de problemas que se arrastam há décadas. Além da ausência do saneamento, os moradores também já sofreram com a falta de energia e coleta de lixo, deficiente por conta dos terrenos em declive e parcialmente erodidos.
Sem a rede de esgoto, os moradores recorrem ao sistema de fossas para não jogar os detritos a céu aberto, mas os receptores utilizados estão longe do ideal. Por questões financeiras, nenhuma das casas dispõe de fossas sépticas (aquelas que possuem filtro), mas de um sistema improvisado que consiste no enterro de latões dentro da terra. Uma vez lotado, escava-se outro buraco e enxerta-se outro latão, que é colocado sem fundo - os detritos vão sendo absorvidos com o tempo pelo solo. Às vezes, os latões são empilhados e acabam cedendo, provocando erosões recheadas com fezes. Na parte baixa do Santa Edwirges, as águas servidas - utilizadas na pia da cozinha e banheiro - correm sobre as ruas de terra, contribuindo também com a contaminação do solo. Vale dizer que o núcleo de saúde do bairro é o que registra o maior índice de pessoas com verminoses e micoses da cidade.
Reivindicações da população atingida à Prefeitura e ao DAE chegam a ser incontáveis. O DAE, responsável em executar a rede coletora no local, alega ter projeto pronto para fazê-la, mas se diz impedido tecnicamente. A tubulação que tenciona implantar teria que encontrar continuidade na gleba desapropriada logo abaixo; do contrário, os detritos seriam lançados no terreno, o que, além de proibido, traria riscos ambientais graves à nascente de água.
Mesmo questionando os vários órgãos envolvidos na questão, a reportagem do JC nos Bairros permaneceu com dúvidas em relação ao problema, uma vez que o jogo de empurra-empurra é nítido. A Administração Municipal é quem, sem dúvida, tem mais responsabilidade na história, pois desapropriou uma área em total desconformidade com a Lei 6.766/79, a qual rege as condutas para o parcelamento de solo.
Numa atitude altamente questionável, a Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan), então comandada por Waldir Bueno, desapropriou faixas de terra destinadas à abertura de ruas, num procedimento totalmente incomum. De acordo com a legislação, o expropriado deve doar as áreas de arruamento, bem as de fins institucional e preservação. Para reverter o prejuízo, a Prefeitura exige que o beneficiado, no caso José Amir Neme Mobaid, faça as obras de infra-estrutura, incluindo a rede de esgoto, negociação que parece não estar sendo nada fácil. O JC nos Bairros tentou contato com o pecuarista, mas não logrou êxito.
Licença condicionada
Paralelamente, a Prefeitura alega que o caso está emperrado no DPRN, órgão responsável pela licença de uso da gleba. O engenheiro florestal e supervisor do departamento, Ricardo Leonel DErcole, por sua vez, transfere à municipalidade o ônus de colocar o ponto final que o assunto merece.
DErcole contou que, por encontrar-se numa área de proteção permanente, a gleba foi multada e embargada em 1999, durante um serviço de terraplenagem. O impasse só foi resolvido este ano, embora não se saiba detalhes sobre o pagamento da multa e liberação do terreno. Ao contrário do que alega a Prefeitura, o DPRN garante que não é responsável pela demora na emissão de licença para o uso da gleba, apenas aguarda a formalização de um compromisso. Existe a possibilidade de licenciamento sim, tanto que nosso parecer foi favorável ao projeto de desmembramento requerido pelo senhor Mobaid. Essa licença, entretanto, está condicionada a medidas de recuperação da área de preservação permanente. Queremos que a Prefeitura firme o compromisso de reflorestar as margens da nascente depois que as obras forem executadas. Nosso dever é primar pela reparação do dano ambiental, só isso, asseverou.