07 de dezembro de 2025
Geral

Aníbal: conflito emperra Reforma

Nélson Gonçalves
| Tempo de leitura: 8 min

Para o deputado federal José Aníbal (PSDB), a repartição das receitas com Estados e Municípios é o nó da Reforma Tributária

Ele é presidente nacional do partido que comanda o País há sete anos, o PSDB, e um dos principais articuladores políticos do Governo FHC. Embora em uma função espinhosa e que exige agenda cheia, o deputado federal José Aníbal tem uma vantagem no relacionamento político interno em relação ao presidente Fernando Henrique Cardoso: tem dedicado parte de seu tempo para conversar com os tucanos no Interior do País. Em visita a Bauru desde sexta-feira, José Aníbal conversou com filiados, a imprensa, e participou de um encontro do partido. Em conversa com o JC sobre vários temas nacionais, José Aníbal pontuou que o nó da Reforma Tributária, neste momento, é a repartição dos recursos entre União, Estados e Municípios. Para ele, a reforma não sai em 2002. Leia os principais pontos da entrevista:

Jornal da Cidade - Entre os temas polêmicos pendentes no Congresso está a defasagem na tabela de dedução do Imposto de Renda (IR), sem contar a pressão exercida sobre a classe média em relação a alíquota. Como o senhor vê esse assunto?

José Aníbal- A renda média do brasileiro, hoje, é R$ 600,00/mês. Como a isenção do IR hoje é até R$ 900,00, a grande maioria está isenta de pagar. Infelizmente, esta isenção está associada a uma renda pequena. Elevando a faixa de isenção a R$ 1,2 mil você chega a um valor que eu acho justo. Mudar as alíquotas para quem ganha até R$ 5 mil também eu acho justo. O que eu não acho justo é que imponha ao Tesouro uma redução de receitas. Porque se você só ampliar a faixa de isenção e os percentuais de rendimento e, do outro lado, não aumentar a alíquota daqueles que ganham mais de R$ 10 mil/mês, que são poucos, você penaliza os programas sociais. Eu disse ao presidente FHC que todo o IR de pessoa física no Brasil é R$ 26 bilhões. Os programas sociais, como bolsa escola, alimentação e assistência ao idoso, vão gastar este ano R$ 26 bilhões. Veja que a pessoa física do IR cobre os programas sociais daqueles que não tem como estudar. Então, o que eu acho justo é que a redução na receita, com as alterações, esteja vinculado à compensação dessa perda no bolo. A classe média tem razão. O que nós precisamos é discutir a compensação.

JC - Onde haveria espaço para compensar a atualização da isenção, por exemplo?

Aníbal - Acho que é exatamente naquele grupo dos que ganham mais de R$ 5 mi/mês. Você faz mudanças pequenas de alíquota, progressiva, para cima, com diferenciações à medida do aumento dos ganhos, para compensar esta perda. Então, tudo bem, é justo e não sacrifica nenhum outro programa. O Brasil tem engrenagens que ainda protegem em demasia as minorias e isso precisa mudar. Nós estamos avançando nesses temas, mas não se muda tudo em sete anos. O País não é mais justo por causa disso, porque algumas engrenagens mantém privilégios e se preocupam pouco com as minorias. No Imposto de Renda, ou se cria os mecanismos de compensação ou o presidente veta as mudanças. Está nesse ponto hoje.

JC - Mas vai dar tempo? O Congresso está de novo com a agenda apertada?

Aníbal - Existem muitos temas importantes em andamento. Isso é normal, tem que mudar discutindo. Veja, nós temos uma mudança de perfil político e de comportamento até. O Brasil era viciado em inflação e isso prejudicava basicamente os pobres. Isso gerou uma ciranda que teve do nosso governo um tratamento de choque. A inflação no final do governo Sarney era de 80% ao mês, hoje é de 0,8%. É cem vezes menos. Estamos caminhando.

JC - Se de um lado o governo fez um tratamento de choque na inflação, de outro não tratou das etapas posteriores, de ajuste após o Real. Vários setores estão estagnados, o servidor é sacrificado há anos?

Aníbal - O setor público brasileiro passa por uma reforma grande e precisa se readaptar. O Estado não está mais diretamente investindo na atividade produtiva. O Estado hoje responde por serviços, como saúde, saneamento, educação, segurança. Então, temos que ter uma Estado mais voltado para a sociedade olhando para as minorias. As universidades de São Paulo, por exemplo, gastam 90% da receita com salários. É preciso repensar esta área, como outras. Precisamos ver como manter a universidade pública e encontrar alternativas.

JC - Especificamente no caso dos servidores públicos, o senhor concorda com o sacrifício a que estão submetidos?

Aníbal - Não, eu quero uma sociedade justa que proteja a maioria. A seguridade social na França consome US$ 300 bilhões, para um país com 60 milhões de habitantes, um terço da população do Brasil. É um orçamento que é quase o dobro do orçamento do Brasil, com 150 milhões de pessoas. De tudo o que se produz na França, 43% vira imposto. Desse, mais da metade vai para a seguridade social. Então, a expectativa de vida dos franceses é de 100 anos, supondo. Agora, a economia francesa é altamente competitiva, a universidade e as empresas caminham juntas no avanço tecnológico e a França ainda é protetora em relação à Agricultura , o que o Lula defendeu e o presidente FHC combateu.

JC - Mas o presidente FHC teve que levar um puxão de orelha do presidente do STF para cumprir a Constituição no caso dos vencimentos dos servidores?

Aníbal - Acho natural o presidente do STF se posicionar. A maior conquista do governo FHC fora da estabilidade econômica, foi a estabilidade política. Nós nunca vimos isso na história republicana no Brasil em sete anos. Suscitou, vou ilustrar. O Juscelino assumiu e teve ação militar. O Jânio renunciou, o Jango foi derrubado. O Sarney terminou o governo daquele jeito. O Collor foi derrubado, democraticamente. O Itamar foi transição. E agora nós temos sete anos com democracia política, o Congresso discutindo e a sociedade se manifestando. Então é normal o presidente do STF se posicionar, desde que nós também possamos nos posicionar e discordando dele se for o caso.

JC - A proposta de flexibilizar a CLT também rendeu polêmica. O senhor defende essa proposta?

Aníbal - Conversei com um eminente parlamentar do PT que concorda com o projeto salvo duas questões. Esse projeto é a favor da oportunidade de emprego e não da informalidade. Você tem uma legislação hoje que não favorece o emprego. Nós temos alternativas que os próprios trabalhadores já realizaram.

JC - O contrato temporário não preenche uma parte dessa lacuna?

Aníbal - Preenche, mas assim mesmo onera as empresas. O Brasil precisa desamarrar. Aqueles que já têm não querem abrir mão de nada. Aqueles que estão protegidos, têm boa capacidade de negociação, não querem abrir mão de nada. Mas a grande maioria não está protegida. Ou é bom constatar que metade da população brasileira vive na informalidade. Isso é ruim para todos, para o País e o trabalhador. A proposta de mudanças na CLT ajuda enormemente a abertura de novas oportunidades de emprego.

JC - Outra indagação sobre as mudanças na CLT é que as multinacionais, por exemplo, consomem só 10% da receita com salário. A mão-de-obra aqui é muito barata. Deixar as leis trabalhistas flexíveis não favorece só o capital, nessa relação?

Aníbal - É uma reflexão que só se opera pela defensiva. É dizer que sou contra a Alca porque não vejo os interesses do Brasil na Alca. O que precisamos ver é que esta empresa não faz, ela monta os carros. É conversa dos empresários que a carga tributária é pesada nesta área. Reclamam e não apresentam alternativa.

JC - As montadoras reclamam que os impostos representam quase a metade do preço de um veículo...

Aníbal - Conversa deles. Eles reclamam, reclamam e não apresentam nada. O presidente FHC fez um desabafo sobre a Reforma Tributária na terça-feira. Disse que todo mundo enche a boca para falar, mas na hora de discutir concretamente ninguém apresenta propostas, nem os Estados, nem os municípios, estes querendo sempre mais recursos o que é legítimo. Enquanto não resolvermos este conflito distributivo, quem fica com o que do bolo das receitas, não sai Reforma Tributária.

JC - Mas o governo não tem poder para combater esse abuso, se tão elevado?

Aníbal - O Governo não tem que interferir na atividade, quem tem que reagir é o consumidor, a economia. Pressiona, compra um carro mais barato, reduzindo o faturamento deles. Espera promoção, briga. O Governo não tem que interferir na economia.

JC - Voltando à Reforma Tributária, os municípios e Estados estão emperrando o projeto?

Aníbal - Nós tivemos avanços, mas não totais. A previdência pública evoluiu muito com as mudanças que fizemos. Se não tivesse controlado estourava tudo. Nós tentamos avançar mais na Reforma Tributária, mas esbarra tudo na repartição. Os Estados e Municípios não concordam com a repartição. O governador Geraldo Alckmin reclamou de uma das propostas e ele tem razão. Os municípios reclamam também.

JC - O Governo nunca arrecadou como nos últimos anos. O Governo não quer, no fundo, abrir mão?

Aníbal - Arrecadou e gastou, mas responsavelmente cobrindo os buracos que ficaram. Ainda gastamos muito com juros da dívida e a própria dívida. Falam que é por causa da alta dos juros, é conversa. Essa dívida existia na origem e não tem como não pagar do jeito que falam em milagre. O nó da Reforma Tributária dificilmente desata no ano que vem, em ano de eleição e com tantos interesses.