A tragédia da Argentina é a mais crua expressão do fracasso das políticas neoliberais como alternativa econômica para os países subdesenvolvidos. O governo Menem deixou esse fardo para o povo argentino por ter adotado de forma irresponsável e dócil todas as receitas do Consenso de Washington. Desregulamentou a economia, flexibilizou os direitos trabalhistas, privatizou o setor público, abriu a economia, desnacionalizou os bancos e criou o currency board, a famosa paridade com o dólar. Se o receituário funcionasse no sentido proposto pelos neoliberais, a Argentina estaria em pleno desenvolvimento, no entanto, está se desmanchando, econômica, política e socialmente. Infelizmente, o governo De La Rúa não alterou esta trajetória. Os sinais de depressão são evidentes: desemprego elevadíssimo, deflação e desindustrialização acelerada. A moeda nacional, ao invés de se fortalecer, está se fragmentando e desaparecendo, pois o dólar já é amplamente utilizado como meio de troca, reserva de valor e unidade de conta. É uma dolarização de fato.
A derrocada do país vizinho afetará a economia brasileira, principalmente os fluxos comerciais e financeiros, já que 8% de nossas exportações seguem para lá e grandes bancos brasileiros operam naquele mercado. No entanto, os efeitos sobre o projeto do Mercosul podem ser ainda mais dramáticos. A dolarização afasta a idéia de criar uma moeda comum no Mercosul e interrompe o aprofundamento da integração regional. Os argentinos, nesse caso, terão que fazer concessões, principalmente para terem a boa vontade do Banco Central e do Tesouro norte-americanos.
O Brasil caminhou muito na mesma estrada que levou a Argentina ao desastre. Seguiu o mesmo receituário neoliberal, o que acabou desnacionalizando a produção local, desestruturando parte da indústria; desorganizando a matriz de serviços públicos, notadamente o de energia; aumentando o passivo externo, explodindo a dívida pública, o desemprego, a queda dos salários, a concentração da renda. O desastre só não foi maior porque, por ironia, a política de sobrevalorização do real se inviabilizou, mantida a custas de juros estratosféricos, privatizações irresponsáveis e estagnação no desenvolvimento.
A ruptura com esse padrão de política econômica é fundamental para romper o ciclo de estagnação, desemprego e crescimento da miséria. O ataque frontal à vulnerabilidade externa da economia é crucial para criar as condições para a retomada do crescimento econômico e de geração de emprego e renda. Uma forte política de ampliação das exportações e de substituição de importações é necessária para reduzir os juros reais, com base em uma ampla política de distribuição de renda, de forma a estimular o mercado interno e o financiamento de um mercado de consumo de massas de bens e serviços públicos e privados. Este é o caminho para diminuir nossa dependência de capitais internacionais.
A queda dos juros reais diminuirá os encargos da dívida pública, permitindo que recursos que hoje são esterilizados nas mãos de rentistas, sejam utilizados para políticas públicas de combate ao desemprego e à exclusão social e reorientados para atividades produtivas. O Brasil do governo Fernando Henrique é um Brasil para uns poucos, os beneficiários históricos dos modelos conservadores de desenvolvimento. Nosso projeto é de dar acesso aos resultados do desenvolvimento para a grande massa dos brasileiros, a começar pelos 53 milhões que vivem abaixo da linha de pobreza, aos 16 milhões de desempregados, aos 75 milhões de trabalhadores que vivem há décadas sem perspectivas de mobilidade social e numa profunda insegurança social. É certo: um outro Brasil é possível, e iremos construí-lo!
(*) José Dirceu é deputado federal e presidente nacional do PT.